(A peça Adam‘s Lament pode ser escutada a partir do minuto 22’10”)
Adam’s Lament, de Arvo Pärt, é um dos discos que o Papa Francisco doou a uma audioteca que o Cardeal Gianfranco Ravasi se encarregou de organizar. Não se sabe ao certo o lugar exacto que ocupa na lista de preferências musicais de Jorge Mario Bergoglio, mas a obra do compositor estoniano foi já homenageada pelo Papa quando, no dia 18 de Novembro de 2017, lhe entregou o Prémio da Fundação vaticana “Joseph Ratzinger – Bento XVI”.
A distinção começou por se circunscrever à teologia e às “ciências naturalmente com ela relacionadas”, mas ampliar-se-ia às artes. “É um alargamento que corresponde bem à visão de Bento XVI, que tantas vezes nos falou de maneira comovedora da beleza como via privilegiada para nos abrirmos à transcendência e encontrar Deus”, disse, na ocasião, o Papa. A entrega do prémio a Arvo Pärt (os teólogos Theodor Dieter e Karl-Heinz Menke também foram reconhecidos) foi aproveitada por Francisco para uma metáfora musical: “A verdade de Cristo não é para solistas, mas é sinfónica: requer colaboração dócil, partilha harmoniosa. Procurá-la, estudá-la, contemplá-la e traduzi-la em prática juntos, na caridade, atrai-nos com vigor para a plena união entre nós: assim a verdade torna-se uma nascente viva de vínculos de amor cada vez mais estreitos”.
Em O Lamento de Adão, “a música sacra predomina, ora monumentalmente poderosa, ora ternamente frágil”, diz o texto de apresentação do disco, no site da editora de música contemporânea ECM.
As composições do CD de 2012 foram gravadas na Igreja de S. Nicolau de Tallinn, capital da Estónia. Na peça que dá o título ao álbum, Adam’s Lament, Arvo Pärt, cristão ortodoxo, usa um texto poético de Silouan de Athos, um monge que viveu entre 1866 e 1938 e foi um dos últimos santos ortodoxos, para sublinhar a nossa herança comum na figura de Adão: “Adão somos todos nós, os que carregamos o seu legado”. Adão, “nosso pai primordial, previu a tragédia humana, que experimentou como culpa pessoal” e “sofreu todos os cataclismos humanos, até às profundezas do desespero”. Sofrendo pela perda de Deus, o primeiro homem inaugura uma busca do Amor, que se prolongará por séculos.
O Papa Francisco chamou a atenção para a circunstância de, nos diplomas dos prémios conferidos, haver uma referência à expressão “colaboradores da verdade”, extraída da Terceira Carta de João, e lema que o patrocinador da distinção usou quando foi arcebispo de Munique e Freising. Ela evidencia a dedicação de Arvo Pärt e dos outros premiados “à altíssima missão de servir a verdade, à diaconia da verdade”.