
Papa Francisco com o grande imã de al-Azhar, em outubro de 2021. “Aceito de bom grado qualquer iniciativa de trabalhar em conjunto para realizar a fraternidade humana”, reiterou Ahmad al-Tayeb. Foto © Vatican Media.
O Papa Francisco recebeu nos últimos dias rasgados elogios da parte de inúmeros líderes religiosos, a propósito do 10º aniversário do seu pontificado, que se assinala esta segunda-feira, 13 de março. Mas houve outro denominador comum nas mensagens de felicitações que estes lhe enviaram: a expressão da vontade de colaborar com ele por um mundo melhor, manifestada inclusive pelo patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Cirilo.
“Nestes tempos difíceis, o diálogo entre os líderes religiosos pode dar bons resultados e unir as pessoas de boa vontade para curar as feridas”, escreveu o chefe da Igreja russa, reconhecendo que Francisco tem dado um contributo “significativo” como pregador do Evangelho e impulsionador da interação inter-religiosa. Cirilo desejou ainda ao Papa “boa saúde, paz de espírito e a ajuda infalível de Cristo Salvador nos seus trabalhos”.
Recorde-se que Francisco e Cirilo estiveram juntos a 12 de fevereiro de 2016, naquele que foi o primeiro encontro entre os lideres de ambas as Igrejas em quase um milénio, desde o Grande Cisma de 1054. Desde então, só voltaram a reunir-se por videoconferência a 16 de março de 2022, após o início da agressão militar à Ucrânia por parte da Rússia, depois de o patriarca russo ter recusado mediar as negociações para um cessar-fogo [ver 7MARGENS].
Apesar de Cirilo ter expressado o seu desejo de que o conflito termine, também tem afirmado publicamente o seu apoio a Putin e às ações militares da Rússia. Francisco, por seu lado, já manifestou várias vezes a sua vontade se deslocar a Kyiv e Moscovo. Um novo encontro entre o patriarca ortodoxo e o Papa chegou a estar previsto para setembro do ano passado, durante o VII Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais, mas Cirilo acabou por decidir não participar. Agora, na sua mensagem, parece estar novamente aberto ao diálogo.

“Alcança de uma forma extraordinária aqueles que estão fora da Igreja”
Quem não faltou a esse encontro foi Ahmad al-Tayeb, o grande imã de Al-Azhar do Egipto, que por estes dias também fez questão de escrever a Francisco. “Aprecio com orgulho o seu ilustre caminho ao longo dos últimos dez anos, durante os quais procurou construir pontes de amor e fraternidade entre todos os seres humanos, e o seu incansável esforço para promover os valores da fraternidade humana e estabelecer o diálogo entre os seguidores das religiões como base para alcançar a paz pela qual todos nós ansiamos”, sublinhou al-Tayeb na sua mensagem.
“O nosso mundo hoje está cheio de desafios, conflitos e dificuldades a todos os níveis morais, económicos e sociais, o que aumenta o sofrimento de muitas pessoas; por conseguinte, torna-se grande a responsabilidade dos líderes e de uma figura emblemática e coerente como Vossa Santidade para aliviar o sofrimento das pessoas e dos oprimidos”, reconheceu o Grande Imã de Al-Azhar, assegurando ainda que aceita “de bom grado qualquer iniciativa de trabalhar em conjunto para realizar a fraternidade humana, para que a segurança, a tranquilidade, a convivência e a estabilidade prevaleçam no nosso mundo”.
Também o patriarca ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I´, falou numa “convicção e compromisso comuns” que tem vindo a aproximá-lo de Francisco “ao longo destes dez anos”, especialmente “no ministério de levar conforto e paz a todo o povo de Deus, e no mandato de promover cuidados e cura para toda a Criação de Deus”.
“Apreciamos as prioridades da tua liderança, aplaudimos a prudência das tuas ações e admiramos os progressos do teu mandato”, referiu Bartolomeu I, assinalando ainda estar ansioso por “partilhar os próximos passos do caminho abençoado [do Papa] à medida que nos aproximamos da comemoração histórica e extraordinária celebração do Primeiro Concílio ecuménico de Niceia, onde foram formulados os principais artigos do nosso Credo cristão”.
O primaz da Igreja Anglicana, Justin Welby, que recentemente partilhou literalmente o caminho de Francisco, ao fazer com ele uma peregrinação ecuménica pela paz no Sudão do Sul [ver 7MARGENS], não esquece o primeiro encontro com o Papa e fala sobre isso na sua mensagem.
“A primeira vez que me encontrei com o Papa Francisco foi cerca de dois ou três meses após ter iniciado o meu mandato e estava muito nervoso. Nunca me tinha encontrado com um Papa, não sabia o que pensar, não sabia que tipo de pessoa ele era. Entrámos, sentei-me e ele disse: ‘Sou maior que tu…’, e eu pensei: ‘Meu Deus, será um daqueles…’. E ele acrescentou: ‘…três dias!’. Porque ele tinha começado o pontificado três dias antes de eu começar o meu cargo. Esse início revelou-me muito sobre o Papa Francisco e caracterizou a minha experiência com ele”, conta.
“Experimentei a sua humanidade extraordinariamente profunda, que não faz concessões acerca da verdade, e que atribui um valor infinito a cada ser humano. Muitos o dizem – eu também – mas ele vive-o”, destaca Welby.
O líder da Igreja Anglicana admira a “notável abertura” da abordagem de Francisco à moral, sublinhando que ele consegue ver os problemas “de uma perspetiva surpreendente”. “Se falarmos com ele sobre os muitos problemas que a Igreja enfrenta, ele olha para o coração humano e encontra formas de amar que conseguem desbloquear as partes endurecidas do coração”, afirma.
“A terceira coisa que gostaria de dizer sobre ele – acrescenta ainda Justin Welby – é que a simplicidade que aparece é uma simplicidade genuína. Estes três aspetos: a sua notável capacidade de intelecto e caráter, a profundidade do seu coração e a sua simplicidade permitem-lhe alcançar de uma forma extraordinária aqueles que estão fora da Igreja, como fez São João Paulo II. Há uma profundidade que é uma bênção para toda a Igreja, e não apenas para a Igreja católica romana”, conclui o arcebispo de Cantuária.

O rabino chefe da comunidade judaica em Roma também reconhece isso mesmo, desejando, na sua mensagem para Francisco, “que ele mantenha esta relação especial de amizade que quis manter com o povo judeu”. E Abraham Skorka, rabino argentino que conhecia Bergoglio desde antes da sua eleição, destaca como, enquanto Papa, Francisco “sempre condenou veementemente qualquer ataque verbal e físico contra judeus simplesmente porque são judeus. Esta mensagem constante é especialmente reconfortante para os judeus em todo o mundo, numa época em que se multiplicam os apelos antissemitas e a violência assassina”.
Bispos portugueses agradecem “constante luta contra os abusos sexuais”
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que também divulgou esta segunda-feira uma mensagem de agradecimento ao Papa Francisco pelo décimo ano do seu pontificado, lembrou as suas palavras após a eleição, recebidas pelos bispos portugueses quando se preparavam em Santarém para celebrar os 25 anos de episcopado de D. Manuel Pelino, e que terminavam com o seguinte pedido: “Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade”.
“Agradecemos ao Papa Francisco a redobrada atenção aos mais pobres, sinalizada com a celebração anual do Dia Mundial dos Pobres, a constante luta contra os abusos sexuais de menores e adultos vulneráveis na Igreja, convocando toda a Igreja para a tolerância zero, o cuidado pelos mais descartáveis, as suas viagens apostólicas sobretudo a países da periferia, o seu empenho contínuo pelo efetivo diálogo ecuménico e inter-religioso, o seu apelo e compromisso pela paz e justiça no mundo e tantas outras atitudes e gestos apontando para que a Igreja de Jesus Cristo seja autenticamente inclusiva, aberta e ‘em saída'”, escreveram os bispos portugueses, agradecendo-lhe também a vinda a Portugal em 2017 e lembrando que contam com ele “em agosto próximo para a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa”.