
A terceira edição do 3 Milhões de Nós aconteceu no sábado, 4 de março, na Aula Magna, em Lisboa. Foto © 3MN.
Quando propus aos dois exemplares de jovens que vivem cá em casa, vulgo meus filhos, irem comigo ao 3 Milhões de Nós, a resposta não roçou propriamente o entusiasmo e, como aos 16 anos se torna difícil levá-los ao colo, acabaram por ficar nas vidas deles de gémeos cúmplices, feitas de amigos, irmãos, estudo, ginásio, playstation e de pensamentos e vivências às quais já não tenho acesso.
Eu, de uma forma diferente, levei-os comigo. Pensei neles, revi-os nas palavras dos oradores, nos olhares e nas risadas das centenas de jovens presentes: estavam eles, os amigos deles, o irmão mais novo… mas estava também eu, que da juventude não me resigno a sair. Será porque não ganho juízo? Ou é mais porque a jovem que fui ainda está aqui, não adormeceu nem se reformou, mas pelo contrário continua a sentir inquietação, vontade de aprender, surpresa, energia, vertigens perante as escolhas e muitas mais nuances de vulnerabilidade? E contigo, também se passa o mesmo?
Esta atualidade da juventude, nos indivíduos e na agenda pública, parece-me uma das razões que faz do 3 Milhões de Nós um evento capaz de reunir cerca de 1.600 pessoas na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, como aconteceu no passado sábado, 4 de março. A intuição de 2018 da Família Missionária Católica Verbum Dei, organizadora do evento através da Associação CincoMaisDois, foi boa e, pela terceira edição, continua a gerar muitos frutos.

Mas o que é o 3 Milhões de Nós? Não se pode definir como uma conferência sobre os jovens. Em primeiro lugar, porque aqui os jovens não são destinatários ou objetos de estudo, mas sim pensadores, autores, organizadores, apresentadores, oradores e, por último, público. Em segundo lugar, pelo estilo, intimista e motivacional. Com exclusão do primeiro painel, mais analítico, moderado pelo jornalista João Paulo Sacadura, no qual Paulo Portas, Francisco Ferreira e Susana Peralta apresentaram dados e estudos sobre a situação geopolítica internacional, sobre a economia, e sobre o ambiente, o dia foi uma sucessão dialogante de histórias de vida, que os oradores expuseram ao serviço da reflexão comum a propósito da pergunta “Então, e agora?”. Agora que atravessámos uma pandemia e temos uma guerra na Europa, agora que não parece ser o momento melhor para fazer a história, como podemos incidir no mundo?
Ter pressa, mas saber parar

“Como é que posso ser alguém, com tanta gente melhor que eu?” pergunta o Guilherme Ramos, 25 anos, engenheiro eletrotécnico, que convida os coetâneos a não esperar pelo momento melhor, mas a “aprender a viver com tudo a mexer, já hoje! Tenhamos nós pressa de ser alguém, sem esperar as condições favoráveis, sem precisar de nos sentirmos melhor que os outros. Ousemos ser protagonistas da nossa vida, que ninguém pode viver por nós!”. E, na partilha de momentos familiares, despede-se com a frase que a sua avó lhe repetia: “Se tivesse a tua idade e soubesse o que sei hoje… corria e ninguém me apanhava!”.
Mas, à plateia projetada nesta corrida consciente, Pedro Granger, voz cinematográfica do Faísca McQueen, veio falar de parar e do direito ao silêncio. O ator e apresentador abriu-se, com humor e leveza, acerca da crise que o afastou da vida pública durante cinco meses. “É preciso dedicar um tempo diário a si mesmo, para escutar o que sentes, o que te faz feliz e quando andas a disfarçar”. O ator valorizou este tempo diário como uma forma de reconhecer os sentimentos disruptivos, para aprender dia a dia a lidar com eles, sem permitir que tomem conta de nós. E deixou uma pergunta: somos guiados pelo sonho ou pelo medo? Se o objetivo é viver com alegria e gratidão, cuidemos todos os dias de nós para não demorarmos muito tempo no sofrimento, pois “enquanto uns choram, outros vendem lenços!”.
E, nisto tudo, onde fica a solidão? Dimensão muitas vezes temida, a solidão (do latim solus, inteiro) foi apresentada por Valentina Stilo como uma das maiores formas de liberdade. “Somos solidão e seres relacionais ao mesmo tempo. Pela qualidade da nossa solidão vivemos a qualidade das relações. Sem uma distância entre as pessoas, não poderia existir encontro”, disse a irmã da Fraternidade Missionária Verbum Dei, diferenciando a solidão positiva do isolamento, que provoca desconexão e sentimento de fragmentação. E apelou ao Espírito Santo, paráclito, ou seja, advogado defensor, o qual ilumina e defende o nosso lado obscuro, do qual muitas vezes fugimos quando preferimos a distração à solidão. “Quando não sabemos viver a solidão, acabamos por consumir tudo e todos”, alertou a irmã Valentina.
“Quando fugimos da vulnerabilidade, também nos afastamos da alegria”

Quem abraçou a solidão na própria vida foi Rita Sacramento Monteiro, jovem profissional que abandonou uma carreira de relevo e a correria da cidade para abrandar, mudar de ritmos e respeitar mais a sua voz interior. “Tirei o tempo necessário para encontrar no meu mundo interior a imagem do mundo que quero construir”. Falou de um novo encontro consigo própria e com Deus nesta vida mais lenta, no campo, no respeito dos ritmos interiores e da natureza. “Somos feitos para sermos felizes e livres!”, concluiu Rita.
“Nós próprios somos natureza e precisamos de tempo para crescer, precisamos de ser cultivados, precisamos de nos trabalhar”, afirmou depois o padre jesuíta João Goulão, que pediu aos jovens para admitirem a sua vulnerabilidade: “É assim que somos, não há lugar para onde consigamos fugir. E, quando fugimos da vulnerabilidade, também nos afastamos da alegria, da esperança e de tudo aquilo que pode brotar do nosso coração”.
Uma esperança que Joana Rigato encontrou na dimensão comunitária de família entre famílias. A Joana, o marido Andrea e os três filhos vivem de portas abertas a dimensão do acolhimento, sem a preocupação de acumular. Uma vocação que consta já nas palavras que a oradora escrevera aos 16 anos: “A minha vida terá de ser muito maior do que eu”. Um grande desejo, que fala ao coração dos jovens e lhes roubou uma salva de palmas.
E apenas 17 anos tem hoje Eduarda Gouveia, jovem da Covilhã que falou com muita emoção como do encontro com a comunidade cigana, proporcionado pelo projeto que criou com uma amiga durante a pandemia. Descobriu que eram mais as coisas que a ligavam (à dona Celeste, ao Tiago, à Venusa) do que as que os separavam. “Tal como eu…”, repetiu muitas vezes. E definiu a comunidade cigana como acolhedora, cuidadora, alegre, em constante mudança.
Um argumento politicamente divisor, o da comunidade cigana, solicita o que José Maria Pimentel define como valores conflituantes, entre os quais é impossível escolher objetivamente. “Não há verdades absolutas sobre estes valores políticos. – disse o autor do Podcast 45 Graus, ajudando a refletir sobre as coordenadas da direita e da esquerda – Por isso, é importante termos respeito, mantermo-nos humildes nas nossas posições e curiosos para com os outros”.
No fundo, como foi dito no painel inicial, “o ecossistema é mais resiliente quanto mais diversificado”, e isto a vários níveis (biodiversidade, política, cultura, arte, migrações). Portanto, não vale a pena procurar fórmulas para um mundo simples.
Começar de novo, a cada passo

Outro assunto espinhoso, o da diversidade sexual, foi tratado pela psicóloga Margarita Bruto da Costa, que falou nas quatro dimensões que, combinadas, descrevem a diversidade sexual (sexo biológico, expressão de género, orientação sexual, identidade de género), e de como temos a tendência a “encaixar as pessoas com base numa única dimensão pela qual nos parecem semelhantes, mas ninguém se define apenas por uma dimensão da sua identidade”. A psicóloga levou ao palco palavras de pessoas que acompanha em terapia, cheias de dor pela falta de aceitação, às quais contrapõe a sua resposta profissional e humana, sobretudo no acompanhamento dos jovens: “Amar é deixar ser”!
Mas qual é o lugar do outro na nossa vida? Grande pergunta à qual o Francisco Mendes, 24 anos, de Aveiro, tenta responder, trazendo ao palco – com muito humor – os lemas do pai. Falou em compromisso como “promessa comum”, pacto que criamos com os outros, cuja etimologia esconde mais uma palavra: missum, missão. No compromisso, saio do egoísmo e da preocupação comigo mesmo, ponho os meus talentos a render, mas de uma forma não oportunista, sem fazer contas ao retorno. O bem que faço não precisa de tornar a mim, mas é para o bem da relação.
Como a relação profunda que os oradores devem ter com a irmã Núria Frau, rosto e alma da iniciativa, manifestada nos abraços ao descer as escadas do palco, no final das intervenções: abraços de satisfação por terem cumprido uma pequena missão, partilhando a própria vulnerabilidade para o bem de todos.
O presidente Marcelo confiou a sua presença, amiga dos jovens, a uma mensagem em vídeo, na qual apelou à participação política: “Todos somos políticos. Por ação ou por omissão, estamos a intervir politicamente. Eu conto convosco, como pai, como avô, como professor, como cidadão e como presidente da República Portuguesa. E elenquei estes papeis por ordem de importância. Ser presidente é apenas um mandato, mais curto e menos rico do que os outros todos”.

As conclusões, brilhantes, foram confiadas a Zé Pedro Cobra, advogado, orador, humorista, homem de fé. Ele, 50 anos, respondeu à minha questão inicial, sobre este sentimento de não ter chegado ao porto seguro da idade adulta. “Nós temos de facto várias juventudes – disse, e citou uma frase do cardeal José Tolentino Mendonça: “Uma das melhores formas de dignificarmos a vida é vivê-la como principiantes”, ou seja: “Começar de novo, como jovens, a cada passo, a vida, faz-nos ser esses principiantes sucessivos!”.
E foi assim que, depois de uma tal imersão nas profundezas da vulnerabilidade e da força humana, voltei para casa, ainda com alguma tristeza por não ter partilhado algo de tão valioso com os meus adolescentes. Mas recebi uma resposta aberta, inesperada, de um deles: “Mãe, conta-me o que fizeste!”. E um tempo de antena maior do que o habitual, um interesse que senti sincero. Cansada, tentei repescar as pérolas para ele, e foi o que fiz também neste artigo, para quem teve a ousadia de chegar até aqui!
Giovanna Campagnolo é gestora de recursos humanos e formadora na área comportamental. Trabalhou 13 anos na Cáritas em Itália, como responsável de voluntariado e de programas de desenvolvimento social, especialmente dirigidos a jovens e refugiados.