
Om Sultan está preocupada porque pode perder o seu filho por causa da malnutrição. 360.000 crianças iemenitas estão em risco de morrer se não receberem tratamento adequado. Foto © WFP/PAM – Mohammed Awadh.
Um dia típico do Programa Alimentar Mundial (PAM) inclui o movimento de 5600 camiões, 30 navios e 100 aviões. Mas o dia típico desta organização, que integra o sistema das Nações Unidas e nesta sexta-feira, 9 de Outubro, foi anunciada como vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2020, é passado nos “lugares mais difíceis e complexos do mundo”.
Este foi, pelo menos, o teor do agradecimento de David Beasley, director-executivo do Programa Alimentar Mundial, quando reagiu ao anúncio do Comité Norueguês do Nobel. Num vídeo colocado na rede social Twitter, Beasley começa por confessar que esta foi a “primeira vez na vida” que ficou “sem palavras”. Mas os membros da organização espalhados pelos por esses “mais difíceis e complexos” mereceram o Nobel, acrescentou.
O prémio é “um reconhecimento incrível da dedicação da ‘família PAM’”, acrescentou o director, e será uma boa ajuda para o trabalho de distribuição de comida às cerca de 690 milhões de pessoas (cerca de 8,9% da população mundial) que estão em situação de fome, segundo dados da ONU citados pelo Público.
Este número, no entanto, pode vir a ser bem mais dramático: a crise económica provocada pelo novo coronavírus leva as Nações Unidas a calcular que mais de 130 milhões de pessoas estão em risco de aumentar aquele número, ainda em 2020.
A pandemia da covid-19 também pesou na atribuição do galardão: as organizações humanitárias têm os seus orçamentos reduzidos, os movimentos nacionalistas e populistas crescem por todo o lado e, por isso, o Comité Nobel considerou que o PAM era um bom exemplo de como a abordagem “multilateralista” pode ser importante para garantir um futuro para milhões de pessoas.
“A necessidade de solidariedade internacional e de cooperação multilateral é hoje mais evidente que nunca”, numa altura em que o “populismo” e “as políticas nacionalistas” estão a aumentar, justificou Berit Reiss-Andersen, a presidente do Comité Norueguês. O PAM, acrescentou, é “uma força impulsionadora nos esforços para prevenir a utilização da fome como uma arma de guerra e conflito”.
Na conferência de imprensa de apresentação do 101.º Prémio Nobel da Paz, Reiss-Andersen recordou números da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) que mostram já que a covid-19 provocou um aumento de “vítimas de fome em todo o mundo”. Enquanto não houver “uma vacina médica” para travar a doença, acrescentou Reiss-Andersen, “a alimentação é a melhor vacina contra o caos”.
“O mundo corre o risco de sofrer uma crise de fome de proporções inconcebíveis se o PAM e outras organizações de assistência alimentar não receberem o apoio económico de que necessitam”, disse ainda a presidente do Comité Norueguês. Para isto, os cerca de 960 mil euros que acompanham o galardão podem ser uma boa ajuda.
Tomson Phiri, porta-voz do PAM, recordava à Reuters que, no momento em que as restrições globais e nacionais impostas por causa da covid-19 levaram ao encerramento de inúmeras actividades, o PAM continuou a trabalhar. Citado no Público, referiu um exemplo: “A determinada altura, quando a maioria ou quase todas as companhias aéreas comerciais estavam paradas, nós fomos a maior companhia aérea do mundo.”
Alimentar uma pessoa com 15 euros por mês

Um mapa com os países e regiões onde o PAM actua neste momento; a azul os países, a vermelho as situações de emergência. Fonte: PAM.
Criado em 1961 como agência do sistema das Nações Unidas e com sede em Roma, o PAM é financiado por contribuições voluntárias. Distribuiu 15 mil milhões de refeições e apoiou 97 milhões de pessoas em 88 países no ano passado.
Pedro Matos, português que trabalha no PAM há 12 anos, diz que alimentar uma pessoa fica, para a agência, em 15 euros por mês, já com todos os custos associados, incluindo os salários.
Trabalhando sobretudo em países ou regiões atingidas por guerras, conflitos, tragédias naturais (inundações, secas, ciclones), o PAM identifica a República Democrática do Congo, Nigéria, Sudão do Sul, Síria, Iémen e região do Sahel como pontos muito críticos. O Afeganistão vem logo a seguir.
O PAM informa na sua página digital que todos os anos distribui mais de 15 mil milhões de rações a um custo médio de 0,52 euros cada uma. Números que dão à agência internacional uma “reputação inigualável” enquanto “socorrista de emergência, um socorrista que faz o trabalho rapidamente à escala nos ambientes mais difíceis”.
O PAM acrescenta que os seus esforços se concentram na assistência e ajuda de emergência, reabilitação, ajuda ao desenvolvimento e operações especiais. “Dois terços do nosso trabalho estão em países afectados por conflitos, onde as pessoas têm três vezes mais probabilidades de serem subnutridas do que as que vivem em países sem conflitos.”
Em Portugal, o Presidente da República saudou a decisão do Comité Norueguês porque, com todas as tragédias que há no mundo, a atribuição do Nobel da Paz ao PAM traduz um agradecimento às Nações Unidas pelo facto de “ter mantido e reforçado o seu Programa Alimentar, com poucos meios”. Citado pela Rádio Renascença, Marcelo dirigiu também “uma palavra ao secretário-geral da ONU, António Guterres”, por olhar “para as populações que mais sofrem em termos de fome e de miséria, por causa também da covid“.
A nomeação do Nobel da Paz deste ano teve um total de 211 pessoas e 107 organizações nomeadas, incluindo a activista ambiental Greta Thunberg e a Organização Mundial de Saúde. O Nobel será entregue dia 10 de Dezembro, em Oslo, mas desta vez sem jantar de gala, por causa da pandemia.