Testemunho

A caixa que me levou “àquela hora com Jesus”

| 18 Abr 2023

“Lá dentro, objetos envoltos em papel, um pequeno livro, um manual de instruções, um Guia do retiro. Fui desembrulhando os objetos e foram-se revelando os sinais”. Foto © Lurdes Pereira.

 

A Caixa entrou-me em casa pelas mãos de uma mensageira. Não era um anjo, não! Mas andava lá perto. Trazia um brilhozinho nos olhos, era cara conhecida de caminho em comunidade. A Caixa era só uma caixa de papelão igual a milhões de outras caixas, mas… Dentro da Caixa, escrito a letras negras, quase gritava para a abrir! A seguir, leio arrepiada por baixo das letras gordas: “Que te leva àquela hora com Jesus”.

Parei. Eu sabia a que Hora se referia.

A mensageira partiu com a leveza com que chegou. Ainda a ouvi a cantar um salmo no elevador. Mas depois, não a vi mais.

Fiquei sozinha com a Caixa. Abri-a. Lá dentro, objetos envoltos em papel, um pequeno livro, um manual de instruções, um Guia do retiro. Fui desembrulhando os objetos e foram-se revelando os sinais:

-uma ampulheta de 15 minutos

-um ícone de Jesus Pantocrator

-uma caixinha redonda que era uma vela com apontamentos de frutos e flores do campo

-um pequeno bloco de notas com uma capa artesanal com motivos florais

-algumas folhas de papel com títulos: Dia 1. Dia 2. Dia 3. Nas folhas, textos curtos do evangelho de João, capítulos 18 e 19 e pequenas meditações sobre os textos.

Fiquei a olhar para o despojamento daquela Caixa. Tão simples e tão abundante!

Dei um segundo olhar a tudo, coloquei as coisas no lugar, dentro da Caixa, e fechei-a. Precisava de tempo para elaborar o meu compromisso com aquela Hora… pois estava eu também a fazer a viagem de uma certa hora que me tinha entrado pela vida dentro nesse mês.

A Caixa ficou a repousar como se de massa de pão fosse. Dentro de mim levedava o desejo de subir à Sala de Cima e poder abri-la. Com Ele.

 

Chegou a noite. Faltavam 2 dias para o início da Semana Maior.

Devagarinho coloquei a Caixa no colo. Abri-a de novo e li o Manual de Instruções. Tão bonito! Era mais um poema do que um manual! Identificava cada objeto, dizia a sua origem, o material com que era feito e sugeria como poderia ser utilizado. Adivinhava-se no cuidado e na beleza descritiva que tinha sido escrito por uma mulher.

” A marcar o tempo de oração, a ampulheta desfazia-se em grãos de areia. A vela dava o tom floral a anunciar algo.” Foto © Lurdes Pereira.

 

Nessa mesma noite, sem pensar muito, coloquei o ícone no tronco onde faço oração. Abri a caixinha preta e acendi a vela de origem vegetal, com apontamentos de flores e frutos da serra do Montemuro. Os da Caixa não sabiam, mas essa serra é “A” minha serra, vezes sem conta calcorreada por mim. A marcar o tempo de oração, a ampulheta desfazia-se em grãos de areia. A vela dava o tom floral a anunciar algo.

 

Foi o primeiro dia. Dia de fazer silêncio, olhar o ícone, sentir as fragrâncias espalhadas pela vela. E foi Bom.

 

Ficou aquele cantinho em modo Retiro trazido por uma mensageira que cantava salmos. Ficou assim 3 dias. Rezei lá nesse tempo. Livremente. Sem ser em retiro, nem com os textos e o ritmo sugerido. Rezei no meu jeito livre, desvairado, e os meus gatos segredaram que até dancei, mas não me lembro.

 

Segunda-feira Maior, o quarto dia depois da Caixa, foi o Dia 1 de Retiro.

 

Finalmente atrevi-me a ler o Guia do Retiro. Pare. Escute. Olhe.

Esse aviso repete-se. Mas não assusta. O Guia é um mestre muito sábio nas sugestões. Cada um poderá seguir à risca a intuição de quem pensou o retiro, ou não! O modo cuidado como está traçado o trajecto dá espaço para a passada pessoal e para a criatividade. Uns de um jeito, outros de outro, mas mergulhados na densidade daquela Hora…

A Caixa desaparece quando o olhar de cada um se recolhe e se aquieta.

 

Acomodei-me no chão da sala. Desliguei o telefone. Acendi as velas. Virei a ampulheta como quem abre a maçaneta de uma porta. Estava na Sala de Cima, eu e Ele. Contemplei o ícone e li o primeiro texto em voz alta: “Era de manhã cedo quando levaram Jesus…” O tempo do conforto na Sala de Cima tinha-se esfumado… eu sabia o que se ia passar.

Segui-O até ao palácio de Caifás. “Aquela Hora” com Jesus estava a começar e as minhas horas, aquelas de todas as interrogações, de todos os abandonos, da solidão mais profunda, das escolhas que rasgam a meio, as que ninguém nunca tocou e só Deus as recolheu, essas todas vieram aconchegar-se no meu colo. Inquietas e sofridas como gatos de rua. Mas estavam lá todas nesse dia.

Nos dias seguintes também.

As folhas com as indicações para cada dia fizeram-me companhia sem se imporem. Permaneciam ali ao lado e apontavam olhares de discernimento, perante um Jesus que se movimentava por mundos que não sabiam como o apanhar e meter nas suas limitadas caixinhas de poder…

“Ficou aquele cantinho em modo Retiro trazido por uma mensageira que cantava salmos.” Foto © Lurdes Pereira.

 

Dia 1– o dia de todas as perguntas e das respostas que eram “A” chave e abriam silêncios sem perguntas…
A Verdade era Ele. A vida dele era a Verdade.
Ele escolheu a Fidelidade a si e ao Pai. Não pactuou com nenhum dos mundos do poder reconhecido. Nem um milímetro!
Na Hora
Escolheu
A Fidelidade
E…
…como sou na minha Hora?

 

Dia 2- o dia de Jesus expulso para fora, mas que veio para o lugar do meio. Veio erguer-se no epicentro onde se cruzam as nossas loucuras, agressões, desumanização… para as transformar em pó, as queimar no fogo do seu amor desmesurado, e anular o mal.
No chão, uma túnica tecida de alto a baixo, sem costura nem cisões. Como Ele.
E foi nessa túnica que me deixei aconchegar no Dia 2.
Estava com frio e ferida. Com tanto do que em mim é caco espalhado no chão. Só essa túnica tecida de alto a baixo poderia unir o que em mim era clivagem…estava quebrado.
Permaneci assim, encolhida debaixo daquela túnica, muito depois da ampulheta se ter esgotado.

 

Dia 3- o dia da sede. Onde tudo se cumpriu. Até ao último sopro…
O dia do Templo que jorra Vida e água e É uma pessoa.
Na consciência da carência, na sublime entrega de quem se dá até à última molécula, vai nascer a abundância sem fim. Mais adiante há um jardim. Um túmulo Novo para Aquele que morre assim, como viveu. Ele É uma Vida toda Nova! Só podia ter sido num jardim! E nesse jardim brotar a Nova Criação.
É o Primeiro Dia da semana.
A pedra do túmulo está arrancada.

Estou por momentos nesse jardim. A vela com perfumes do Montemuro arde alegremente e espalha pela sala uma suave fragrância a jardim florido. Tinha cumprido a sua função de abraçar os dias todos com o perfume de jardim! Afinal, era Um Jardim apenas… Os gatos dormem serenos a um canto.

Fecho os olhos.
Permaneço.
Ouço ao longe o rumor de passos…
Acho que Maria me quer dizer alguma coisa. Deu a volta e regressa do jardim…
Saberei eu dar a volta e reconhecê-lO?

“Rezei no meu jeito livre, desvairado, e os meus gatos segredaram que até dancei, mas não me lembro.” Foto © Lurdes Pereira.

 

A Caixa está guardada. Os papéis dobrados. Fiz um Retiro que veio numa caixa!
O ícone de Jesus permanece no cantinho da oração. Ainda. A vela está quase no fim e revela vestígios de folhas da serra no fundo da caixinha de metal.

Regresso ao Guia da Caixa. Espera-me ainda um livro para ler devagar. Um QRCode para aceder a música e obras de arte. E quantas voltas eu queira dar à intuição da Caixa!

Agradeço a delicadeza, a profundidade e a beleza que me chegaram dentro de uma Caixa.

O Retiro, esse, ainda está a arder no coração enquanto caminho até Emaús…

 

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