
“Moro no oitavo andar de um prédio estreito, desses prédios típicos de metrópoles abarrotadas.” Foto © Ricardo Perna
De cotovelos postos no único parapeito da casa, debruço-me na esperança de ver as plantas pousadas, lá em baixo, nos vasos da área de serviço.
Moro no oitavo andar de um prédio estreito, desses prédios típicos de metrópoles abarrotadas. Durmo engavetada numa mezzanine com o ar condicionado por cima dos joelhos, cozinho atabalhoada num fogão que mais parece um brinquedo infantil; mas, ao menos, tenho uma janela ampla que ocupa toda a parede da sala.
Fecho os olhos na direção da claridade e imagino que todas aquelas janelas esgotadas, de braço dado com os ares-condicionados, são aves livres a dançar no calor do céu. Depois conjecturo troncos de sobreiros, beijados na raíz, por restolhos sobre os quais esvoaçam as aves.
Reabro os olhos, na direção da cortina, e sonho que voo através dela. Depois acordo e, no lugar dos troncos imaginados, estão pilares exaustos e janelas fechadas a enaltecer os ares-condicionados.
Faço os possíveis para controlar as minhas crises de ansiedade claustrofóbica. Pronto, calma, moro numa das cidades mais povoadas do mundo, está bem; vivo num oitavo andar de um prédio com dez apartamentos por andar; pronto, calma, não sou a única. Se os outros conseguem, eu também hei de. Calma! Tenho a ópera a bom preço no teatro municipal – sento-me no meu século favorito, o XIX. E, pelo menos, é uma metrópole com praia a duas quadras da minha mezzanine. Sim, pelo menos estudo teatro numa das escolas mais conceituadas do universo teatral: “O Tablado”; ah, que ator não sonhou, um dia, pisar o Tablado?
Caramba, pelo menos vou às tertúlias de poesia com a frequência que quero e encontro grandes poetas, de quem me vou tornando amiga.
Tenho muita raiva da minha claustrofobia porque me rouba tudo isso… isso que só uma metrópole sanguessuga nos proporciona.
Cada vez me conheço menos… afinal o mar gelado, as gaivotas, o silêncio e as ruas desertas valem mais do que o teatro, a poesia, a ópera e o regresso ao sec. XIX.
Ana Sofia Brito começou a trabalhar aos 16 anos em teatro e espetáculos de rua; Depois de dois anos na Universidade de Coimbra estudou teatro, teatro físico e circo em Barcelona, Lisboa e Rio de Janeiro, onde actualmente estuda Letras. Autora dos livros “Em breve, meu amor” e ” O Homem do trator”.