
Carimbo de Emigração, de Francis Tondeur. Rotunda Jardim das Comunidades, Almancil (Algarve). Foto © Kolforn / Wikimedia Commons
Damos aqui início a uma série de artigos sobre a demografia portuguesa, desde 1864, ano da publicação do primeiro Censo da População de Portugal. Procuraremos destacar os principais períodos demográficos, as suas causas e as suas consequências. Mais do que números – embora estes sejam a alma da estatística – interessa-nos a compreensão do que aconteceu e a projeção do futuro à luz dos factos. Restringimos a análise ao Portugal do Continente Europeu, que inclui a Madeira e os Açores.
A nossa principal base documental é constituída pelos resultados dos 16 censos gerais da população e por algumas fontes indiretas. Neste artigo, consideramos apenas a descrição dos períodos demográficos do país, no seu todo.
Períodos demográficos de Portugal, desde 1864

Gráfico I: Evolução da população portuguesa, portuguesa autóctone e portuguesa com origem estrangeira, entre 1864 e 2021
Conforme se sintetiza no Gráfico I, a população de Portugal teve avanços e recuos conforme as circunstâncias económico-financeiras do país, as crises políticas e as expansões/retrocessos nas economias europeia e mundial, que exprimimos nos seguintes oito pontos:
- aumento constante da população entre 1864 e 1911 (de 4,188 para 5,960 milhões, a uma taxa média de 9,2‰ ao ano, que consideramos elevada face à ausência de condições sanitárias, à elevada taxa de mortalidade infantil, à emigração e à crise financeira dos últimos 30 anos do período);
- estagnação na década de 1911-1920 com um aumento de apenas de 72.940 habitantes, para 6,032 milhões, a uma taxa média de crescimento de apenas 1,2‰ ao ano, devido à crise financeira, à Grande Guerra 1914-18 e à gripe pneumónica (1918-1920);
- aumento acelerado da população entre 1920 e 1960 (de 6,032 para 8,889 milhões de habitantes), a uma taxa média de 11,837‰ ao ano, apesar da extrema pobreza, motivada pela proibição de emigrar, pela excessiva divisão da propriedade agrícola, e pela ausência de perspetivas económicas nos países de demanda da emigração portuguesa (Brasil, Europa, Estados Unidos, Angola e Moçambique) embora a demanda pelo Brasil tenha sido acentuada na década de 50;
- quebra da população na década de 60 (de 8,889 para 8,611 milhões de habitantes), expressa no Censo (pouco credível) de 1970, elaborado por projeção estatística a -20%, quebra presumivelmente em consequência da onda emigratória, convocada pela expansão económica dos países do centro da Europa participantes na II Guerra Mundial, expansão impulsionada pelo Plano Marshall, e pela autorização e pedido de povoamento dos territórios de Angola e de Moçambique para onde se terão deslocado cerca de 600.000 nacionais;
- retoma do crescimento demográfico na década de 70 (de 8,611 para 9,833 milhões), num crescimento de 14‰ ao ano, a partir do retorno de nacionais, em 1975 e 1976, e de políticas de apoio às atividades económicas no Interior, sobretudo em serviços públicos e habitação, e apesar da continuação da emigração;
- nova estagnação na década de 80 com um crescimento de apenas 34.000 habitantes, de 9,833 para 9,867 milhões, em 1991, motivado pela crise económica de 1983 e pela continuação da emigração apesar da adesão, em 1986, à então CEE (Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia);
- crescimento contínuo mas suave, entre 1991 e 2011, de 9,867 para 10,556 milhões, a uma taxa média de 3,45‰, mais acentuada na década de 1990 (+ 489 mil habitantes, 4,9‰ ao ano) que na década de 2000 (+189 mil, 1,8‰ ao ano), apesar de maior demanda de Portugal por imigrantes de nacionalidade estrangeira na segunda década, baseada no crescimento do Estado Social, mas com novo incremento da emigração de nacionais para o exterior em consequência das crises económicas de 1993 e 2001;
- forte queda na década de 2010-2020 (de 10,556 para 10,348 milhões de habitantes), com prenúncio de nova crise demográfica, no futuro, face às consequências da crise financeira de 2009-2015 e ao aumento da emigração para o exterior, apesar do incremento da imigração estrangeira.
Principais consequências destes períodos demográficos
1. Constituição de três países a partir da década de 1950 e de quatro da de 70:
a) o país industrializado ou em vias de industrialização (distritos de Lisboa, Setúbal, Porto e partes dos de Braga e Aveiro); até 2021, este país aumentou a população de 3.631.337 para 6.224.614;
b) o país interior mais próximo do primeiro, geográfica ou funcionalmente (distritos de Coimbra, Leiria, Santarém e Faro) que apenas cresceu 137.000 habitantes, em 70 anos, de 1,623 para 1,760 milhões;
c) o país interior de fronteira [i] (os restantes 10 distritos do Continente, com exceção do de Faro, e os quatro dos Açores e da Madeira), agrícola (quando não rural), e subterciarizado, que, no mesmo período, diminuiu a população de 2.927.170 para 895.607 habitantes;
d) o país estrangeiro ou estrangeirado constituído pelo Litoral algarvio, a partir da década de 1970, com compra do território e das estruturas de lazer por estrangeiros demandando as excelentes condições climatéricas do Algarve, o que proporcionou que esta região tenha crescido demograficamente, de 268.957 para 467.465 habitantes, desde 1970, depois de ter regredido para 328.231, em 1950;
2. Portugal perdeu, na última década, 207.961 habitantes, mas os cinco distritos industrializados ganharam 63.000 e o de Faro, 16.359; enquanto os outros 17, não industrializados e pouco terciarizados perderam 287.320; assim se continua a aprofundar a crise do Interior Português, por falta de população, de infraestrutura económica e de vias de comunicação inter e intra-regional, urgindo complementar vias centrípetas por vias em rede;
3. Aumento da população de origem estrangeira, a partir de 1972, de 28.108 cidadãos para 54.414, em 1981; para 113.978, em 1991; para 223.927, em 2001; para 434.708, em 2011; e para 661.607, em 2020 [ii];
4. Subtraída a população de origem estrangeira à população total residente em Portugal, concluímos que a população portuguesa é, na atualidade, de apenas 9.586.285 pessoas, a mesma que em 1980, implicando 40 anos de estagnação, o período mais longo de crise demográfica, a seguir ao de 1580-1640 [iii];
5. Em consequência desta estagnação, o envelhecimento da população (165,1% em desejáveis 70%) é acelerado e preocupante, acompanhado de taxas de juvenilização (soma das crianças e jovens até aos 24 anos) [iv], de 27% em desejáveis 37%) que auguram um país sem condições para a garantia do desenvolvimento económico, das funções de soberania e de sustentabilidade da segurança social mesmo que construa – como deve construir – verdadeiras estratégias de inclusão da população estrangeira.
(Próximo texto: Evolução da população do país por regiões, por distritos e por concelhos.)
Henrique da Costa Ferreira é presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Bragança-Miranda do Douro.
[i] Tomámos as regiões autónomas como regiões do Interior.
[ii] Tomamos por boa a informação de PORDATA, acedida em 16 de Outubro de 1021, às 18h00.
[iii] Oliveira Marques, em História de Portugal, edição de 1973, Porto Editora, afirma que a população portuguesa diminuiu, entre 1580 e 1640, de 3,8 para 3,2 milhões de habitantes.
[iv] O autor considera este critério de crianças e jovens até aos 24 anos mas o INE só considera o grupo de crianças e adolescentes até aos 14 anos.