A crise da demografia portuguesa (2)

A evolução demográfica regional e distrital

| 1 Dez 2021

Neste texto, analisamos alguns aspetos da demografia portuguesa no período 1864-2021 tomando como unidades de análise as NUT (Unidades de Tratamento Estatístico) de primeiro e de segundo nível e os distritos, estes não considerados como NUT’s nem pela Resolução CM 34/86, de 26/3, criando aquelas, nem pelo Decreto-Lei nº 46/89, de 15/2, que as reorganizou.

As NUT são de quatro níveis: as NUT I (Continente, Açores e Madeira); as NUT II (regiões Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve); as NUT III, as comunidades intermunicipais; e as NUT IV, constituídas pelos municípios.

Os distritos não foram considerados NUT provavelmente porque os quatro das regiões autónomas foram extintos pela Constituição da República (CRP) em 2 de Abril de 1976, e os 18 do Continente foram ostracizados pelas práticas políticas e governativas até à sua menorização, em 1994, e suspensão, em 2012 – inconstitucionais, em qualquer caso, porque a CRP impõe a sua existência até à criação das regiões administrativas. A menos que se considere que a criação das NUT é a criação daquelas regiões, o que até seria inconstitucional porque tal criação tem de ser feita por Lei, antecedida de referendo, e não por Decreto-Lei.

A partir de 1991, inclusive, tivemos de reconstituir a população dos distritos, concelho a concelho, pois, desde então, a população é apresentada por NUT’s em todos os descritores demográficos do INE e nos diversos estudos publicados.

Na análise dos dados, considerámos as seguintes categorias:

  1. a) aumento/diminuição da população, em todas as NUT de primeiro e de segundo nível (QUADRO I), e em todos os distritos (QUADRO II), entre 1864 e 2021, considerando os seguintes períodos e subperíodos mais significativos:

– período 1864-1920, subperíodos 1864-1911, crescimento demográfico acentuado; 1911-1920 (crescimento demográfico muito limitado);
– período 1920-1960, subperíodos 1920-1950 e 1950-1960, explosão demográfica (1920-1950) e crescimento demográfico moderado (1950-1960);
– período 1960-1970, crise demográfica e recessão acentuada;
– período 1970-2011, subperíodos 1970-1981 e 1981-2011, crescimento moderado (1970-2011), recessão (2011-2020), e explosão da população residente estrangeira com recessão da população autóctone (2011-2020);
– período 1864-2021, passagem de uma economia e sociedade rurais a uma economia e sociedade urbanas e de serviços.

  1. b) país resultante dos movimentos de aumento/diminuição da população em termos de regiões e distritos;
  2. c) fatores que terão motivado o aumento/diminuição da população nas diversas regiões;
  3. d) consequências
  4. e) perspetivas futuras.

Seguindo estas categorias, fazemos a análise que segue. Neste número analisaremos só as primeira e segunda categorias.

Aumento/diminuição da população

 

Oito distritos atingiram o máximo de população em 1950 [i]. Seis em 1960 [ii],  dois em 2001 [iii], dois m 2011 [iv] e quatro em 2021 [v].

Em contrapartida, todos os distritos, com exceção dos de Aveiro, Faro, Lisboa e Setúbal [vi] perderam população entre 2011 e 2020. Para Braga e Coimbra, a perda é um processo dos últimos 20 anos, desde 2001. Para Leiria e Porto, dos últimos dez. E, para os restantes, dos últimos 60 e 70 anos.

 

Período 1864-1920

No subperíodo 1864-1911, de entre todos os territórios, só o dos Açores não aumentou a sua população, fruto da diminuição nos distritos de Angra do Heroísmo e Horta [vii]. Nos restantes distritos do país, houve um grande aumento apesar das campanhas de África, do Ultimatum inglês e da emigração para o Brasil.

No subperíodo 1911-1920, apesar das crises da Grande Guerra e da febre pneumónica, a população do país só aumentou em 120.000 residentes. No entanto, em termos de circunscrições administrativas, diminuiu nos Açores e no Continente (e em concreto, nos distritos de Braga, Bragança, Faro, Guarda, Vila Real e Viseu).

 

Período 1920-1960

(subperíodos 1920-1950 e 1950-1960)

De 1920 a 1950, ocorre o período de ouro do crescimento demográfico português e da juvenilização da população, fruto da proibição legal de emigrar e da impossibilidade de o fazer, provocada pelas crises económicas e políticas no mundo e da II Guerra Mundial. Todas as unidades territoriais aumentam a população. Todos os distritos não industrializados atingem o seu máximo de população ou na década de 1940-1950 ou na de 1950-1960 (ver quadro II, impressões a azul negrito), embora a análise a nível concelhio identifique municípios com o máximo de população em 1920, em 1930 e em 1940. Os distritos do Interior aumentam a população em 1,350 milhões de residentes.

De 1950 para 1960, o país só aumenta a sua população em 440 mil residentes diminuindo esta em todos os distritos de fronteira, com exceção do de Vila Real.

Período 1960-1970

A relação entre os distritos industrializados (Braga, Aveiro, Porto, Lisboa e Setúbal) e os restantes inverte-se na década de 60 passando aqueles a ter mais população que os últimos (4,531 para 4,132 milhões).

De 1950 para 1960 e, sobretudo, de 1960 para 1970, ocorre a primeira grande crise demográfica com a emigração para o Brasil (anos 40 e 50), para Angola e Moçambique (anos 50 e 60) e para a Europa e América (anos 60 e todos os seguintes). Ocorre maior sangria demográfica nos territórios do Interior.

Os distritos do Interior perdem 51.000 habitantes na década de 1950. Apesar da emigração, os industrializados ganham 430.000. Nesta década, o País do Interior constitui-se essencialmente como o país dos distritos de fronteira (Viana do Castelo, Interior Norte do de Braga, Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja, interior Norte Algarvio).

A busca de melhores condições de vida arrasa a demografia dos territórios não industrializados, mesmo dos que não constituem fronteira. De 1950 para 1970, os referidos distritos perderam 677.000 residentes. Os cinco industrializados ganharam 840.000.

 

Período 1971-2020

A década de 1970-1980 é a década da ilusão demográfica, desmentida nas décadas seguintes. O retorno de nacionais das ex-colónias cria a ilusão de que a população aumentou quase 1,2 milhões de habitantes. Pouco deste aumento refrescou o Interior. Setenta por cento do aumento seguiu para as regiões mais industrializadas e os distritos do Interior continuaram quase todos a perder população. Porém, os de Leiria, Viseu, Coimbra e Santarém começaram a constituir um terceiro país, o do interior sem fronteira, com menores perdas de população.

Ao mesmo tempo, a partir de 1970, começa a constituir-se um quarto país, o do Portugal estrangeirado, sedeado no litoral do Algarve. A população do distrito de Faro, entre 1970 e 2020, cresce 80%, graças ao turismo e ao aeroporto de Faro.

O subperíodo de 1981 a 2011 designo-o como o período da crença nos efeitos benéficos das políticas de dispersão geográfica e de desconcentração de serviços públicos e dos apoios à iniciativa privada vindos da CEE/EU. O dreno demográfico estancou um pouco nas três décadas essencialmente graças à população de origem estrangeira mas agravou-se de novo com as crises económicas nas décadas de 2001-10 e 2011-20.

De 1981 a 2020, distritos industrializados ganharam 730 mil residentes mas os distritos de fronteira perderam 398 mil.

De 2011 a 2020, desfez-se a ilusão da consolidação dos concelhos médios, no contexto de Portugal e do seu Interior, perdendo, quase todos eles, percentagens da população entre os 5% e os 12%, com exceção de Viseu (+0,4%), Bragança e Ponta Delgada (-2,2%). Os casos de Chaves, Vila Real, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Abrantes, Tomar, Évora e Beja são dramáticos. Os distritos do Interior de fronteira e, ainda, o de Viseu, são todos varridos a perdas de entre 10% e 15%.

 

Período 1864-2020: apreciação global

Considerando as 15 décadas da descrição demográfica do país, entre 1864 e 2020, há uma Região (Açores) e cinco distritos que têm hoje menos população do que em 1864: Bragança, Vila Real, Guarda, Viseu e Horta. Beja, Castelo Branco, Portalegre e Angra do Heroísmo mantêm praticamente a mesma.

Os distritos que mais perderam foram: Guarda (61%), Horta (51%) e Bragança (23%). Os que mais ganharam foram: Setúbal (783%), Lisboa (519%), Porto (335%), Aveiro (202%), Leiria (163%) e Braga (104%). As análises, sejam quais foram as lentes com que olhemos para os dados, induzem-nos todas às mesmas conclusões: é necessário salvar o Interior ou ele “morre” de velho. O problema é que ele é demasiado grande e está demasiado doente.

Considerando agora o período de 1951 a 2020, os distritos industrializados ganharam 2,730 milhões de residentes e os restantes perderam 895.000. As perdas são muito mais acentuadas nos distritos de fronteira.

Ao nível da análise no interior das regiões e distritos industrializados, preocupam os sintomas de agonia da Região Norte (particularmente dos distritos de Porto, Área Metropolitana do Porto e Braga), pujantes entre 1950 e 2000, que agora parecem sofrer os efeitos da concentração ao nível da União Europeia. Num país periférico, a sucção pelo Centro Europeu opera primeiro no interior dos países e, depois, inter-países. Lisboa sugará o país e, depois, será sugada por Madrid, Paris, Londres, Milão, Frankfurt e Berlim. É a consequência da perda da soberania.

Na década de 2011-2020, só quatro distritos não perderam população: Aveiro, Lisboa, Setúbal e Faro. Nas regiões Norte e Centro, só o Distrito de Aveiro resistiu. No Alentejo, só o de Setúbal.

Em termos de concelhos, que analisaremos no próximo texto, apenas 50 aumentaram a sua população: cinco no Distrito de Aveiro, um no de Beja, três no de Braga, onze no de Faro, três no de Leiria, onze no de Lisboa, um nos Açores, quatro no do Porto, um no de Santarém, oito no de Setúbal, dois no de Viseu. Lisboa, Setúbal e Faro mobilizam 30 concelhos. Ao contrário da canção de Maria da Fé, há pouca esperança virada para o Norte.

 

Próximo texto (1 de Janeiro): A evolução concelhia e causas e consequências dos movimentos demográficos em Portugal. O primeiro texto da série pode ser lido aqui.

 

Henrique da Costa Ferreira é presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Bragança-Miranda do Douro

Notas
[i]      Beja, Castelo Branco, Évora, Funchal, Guarda, Portalegre, Viana do Castelo e Viseu.
[ii]     Bragança, Santarém, Vila Real, Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada.
[iii]    Braga e Coimbra.
[iv]    Leiria e Porto.
[v]     Aveiro, Lisboa, Porto e Setúbal.
[vi]    O Distrito de Setúbal foi criado em 1926 pelo Decreto 12870, de 22-12, sendo retirados ao de Lisboa os municípios integrados naquele.
[vii]    Os Açores tiveram três distritos até 1976: Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada.

 

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