
O reencontro de dois irmãos sírios, Fadi e Mohamed, no porto de Kalamata, na Grécia, após o naufrágio do barco em que o segundo viajou, foi captado pelas estações televisivas. Imagem reproduzida a partir da transmissão da RaiNews.
Como se estivessem numa prisão. Um abraço entre grades é tudo o que é concedido a estes dois irmãos sírios, Fadi e Mohamed, vindos de longe até ao porto de Kalamata, na Grécia. Mas a história que carregam até essa barreira fria de metal é um banho de realidade que merecia bem mais respeito.
Mohamed, de 18 anos, é um sobrevivente do naufrágio de 14 de junho no Peloponeso, onde se estima que mais de 600 pessoas se afogaram por falhas nos socorros quando o barco de pesca onde viajavam teve uma avaria. Entre eles, cerca de cem crianças amontoadas no porão (apesar de este “cerca” carregar em si a vida de não sabemos quantos nomes).
Fadi é o irmão mais velho, vindo da Holanda para se certificar de que o irmão estava vivo. E está, vivo apesar das lágrimas, das condições de saúde e do trauma que carrega. Porque a história dos dois irmãos sírios começa muito antes: numa infância de guerra, na viagem precária até à Líbia, na estadia prolongada nesse país, onde Mohamed – declara o irmão aos jornalistas – passou os últimos dois anos, a trabalhar para ganhar o dinheiro suficiente (entre 4.000 e 6.000 euros) para pagar a viagem da esperança que o levou a tocar a morte, numa noite de terror no Mediterrâneo.
De uma primeira reconstrução dos factos, sabemos que as autoridades gregas e italianas foram informadas muitas horas antes do naufrágio do barco, como evidenciado pela presença no local de um avião da Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira responsável pela gestão das fronteiras externas do espaço Schengen. A mesma Guarda Costeira grega afirma ter oferecido assistência ao barco antes do naufrágio, mas ter encontrado a “oposição dos migrantes”. A Amnistia Internacional evidencia a necessidade de investigar sobre as circunstâncias que levaram à tragédia [ver 7MARGENS].
Infelizmente este não foi um acontecimento isolado e pontual, tendo em conta que “o primeiro trimestre de 2023 foi o mais letal no Mediterrâneo central dos últimos seis anos”. Afirmação confirmada pelo último relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR/ UNHCR), Global Trends in Forced Displacement 2022, segundo o qual no final de 2022 o número de pessoas em fuga por necessidade atingiu o recorde de 108,4 milhões, com uma aumento sem precedentes de 19,1 milhões em relação ao ano anterior. As principais causas estão ligadas à guerra Rússia-Ucrânia, a perseguições, discriminações, violências e ao impacto da crise climática. No início deste ano, o conflito armado no Sudão fez disparar o número de deslocados para os 110 milhões.
Uma tendência em crescimento, a das migrações, que decreta o insucesso de todas as políticas de contenção do fenómeno, as quais trazem como principal resultado a morte de pessoas desesperadas. Ouvindo as vozes da sociedade civil que trabalham com refugiados, parece unânime que a única forma de evitar tais tragédias é a instituição de percursos legais e seguros para a Europa, os chamados corredores humanitários, realizados pela primeira vez em Itália em 2015 e sobre os quais este país tem feito experiência pioneira, pela qual vale a pena deixar-se inspirar.
Se em 2023, enquanto os nossos filhos estudam a história das perseguições, guerras e tratamentos desumanos ocorridas nos séculos passados, o noticiário transmite imagens de irmãos que se tocam através de grades, muita estrada temos ainda por fazer.
Giovanna Campagnolo é gestora de recursos humanos e formadora na área comportamental. Trabalhou 13 anos na Cáritas em Itália, como responsável de voluntariado e de programas de desenvolvimento social, especialmente dirigidos a jovens e refugiados.