Desde esta terça-feira, 12 de Julho, está disponível o segundo número dos Cadernos 7MARGENS, que colige os textos sobre a Igreja e os Média que publicámos entre 20 de Maio e 5 de Junho. Tal como o primeiro número, que dedicámos ao tema do Sínodo, este novo Caderno pretende ser um instrumento de reflexão pessoal e/ou debate, a propósito de um tema sobre o qual os jornalistas que tratam a informação religiosa raramente têm sido ouvidos. Para isso, o Caderno fica acessível no endereço https://heyzine.com/flip-book/c2a2e72d8b.html para que, quem assim o desejar, possa ler e/ou imprimir.
É a primeira vez, aliás, que, de forma tão alargada, quase duas dezenas de jornalistas reflectem sobre este tema, de um modo que acaba por dar uma visão alargada e plural do que se passa em Portugal.
O caderno abre com um texto de apresentação de António Marujo, que a seguir se reproduz.
Opinião pública: um exercício vital para o catolicismo

A capa do Caderno A Igreja e os Média
“Com a ausência da opinião pública, faltaria à Igreja qualquer coisa de vital e a culpa recairia tanto sobre os pastores como sobre os leigos.” A afirmação é do (devemos dizer insuspeito?) Papa Pio XII, na alocução aos participantes no Congresso internacional de escritores de revistas, em 17 de Fevereiro de 1950. Esta frase seria depois retomada na Communio et Progressio, o documento que, depois do Concílio Vaticano II, procurou definir o que deveria a Igreja Católica fazer no campo da aproximação e diálogo com os média.
Sete décadas passadas, o catolicismo tarda, no entanto, em assumir a plenitude daquela afirmação, ainda que haja uma acentuada diversidade de situações entre os países. Note-se o adjectivo usado pelo Papa Pacelli: “vital”. Significa ele que, sem uma forte opinião pública interna, a Igreja morre. Sendo conhecido que é no espaço público – média, debates, conferências, tomadas de posição – que se define essa vitalidade, é de estranhar que em Portugal (e em outros países) se debata aí tão pouco o catolicismo, as suas formas de organização, as suas posições, as suas tensões internas, os movimentos de renovação, as expressões litúrgicas ou teológicas e de propostas de mudança.
Há razões históricas, claro: a extinção da Faculdade de Teologia em Coimbra, em 1910, fez desaparecer durante décadas o único lugar de produção teológica em Portugal; o silenciamento imposto pela ditadura às correntes de renovação políticas, sociais e religiosas; o baixo nível de alfabetização do país até 1974 e à instauração da democracia… O fenómeno de Fátima, por exemplo, tão marcante na expressão religiosa e cultural portuguesa, só nas últimas duas décadas ganhou alguma expressão no debate sociológico, teológico ou antropológico, quer da parte de cientistas externos quer dentro do discurso católico.
O tema dos abusos sexuais por parte de membros do clero parece ter acordado algumas pessoas para a necessidade de dizer o que pensam e de se afirmarem cidadãs também no seio da Igreja. Ou seja, no caso, baptizadas de pleno direito, como reconhecem os textos fundamentais do Concílio Vaticano II.
Foi precisamente a propósito desse tema que o jornalista João Francisco Gomes fez, na conferência de Maio sobre os abusos sexuais, na Gulbenkian, em Lisboa, uma análise cáustica, mas inquietante, do que se passa em Portugal no que diz respeito à relação dos responsáveis da Igreja com os média. E foi com base nesse texto (https://setemargens.com/a-igreja-tem-de-aprender-a-prestar-contas/) que o 7MARGENS decidiu convidar jornalistas que acompanham com alguma regularidade a actualidade religiosa a escreverem, a partir da sua experiência, sobre essa relação mútua.
Vários deles citaram a mensagem do Papa Francisco para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2022, assinalado em 29 de Maio. Sob o título “Escutar com o ouvido do coração”, o Papa referia-se à escuta como condição de uma boa comunicação. E, na linha de Pio XII, dizia que a escuta mútua no interior da Igreja “é o dom mais precioso e profícuo” que os crentes se podem oferecer uns aos outros.
Contudo, essa escuta precisa de ser feita não só no interior das comunidades eclesiais, mas também com todas as pessoas e grupos que buscam uma vida mais digna e com sentido para todos.
A boa comunicação, que o Papa refere, é, pois, indissociável da escuta, mas também da coragem de romper os medos. Desde logo, o medo de não ter nada de significativo para dizer, mas também o medo de não saber como falar, o medo do que os outros (sobretudo o padre ou o bispo) podem pensar… Da vida, incluindo da vida de fé, todos podem falar e testemunhar, até os que acham que sabem pouco.
É um acaso feliz que esta iniciativa do 7MARGENS coincida com o mais alargado exercício de escuta que porventura a Igreja Católica viveu no seu interior, nestes dois milénios de existência: a dinâmica sinodal, em que todos os crentes são chamados a dizer como entendem o presente e o futuro da Igreja, e no qual também surgem queixas de métodos pouco transparentes, a par de propostas arrojadas para o debate aberto sobre temas nem sempre fáceis.
Todas estas razões são mais do que suficientes para valorizarmos este inédito exercício de escuta – vital, para repetir a palavra citada – dos jornalistas que acompanham o noticiário religioso. É com essa consciência e também com a humildade de quem presta um serviço que aqui oferecemos o conjunto dos textos de todos aqueles que quiseram responder ao nosso desafio. Com um profundo sentimento de gratidão a todos os que aceitaram e puderam nele colaborar.