Igreja Católica em Portugal “não fechou”: a solidariedade como antivírus

| 27 Mar 20

Precisamos de uma ajuda, de uma mão. Croácia. Há muitas mãos prontas para ajudar quem mais precisa, para enfrentar a situação de pandemia que estamos a viver. Foto © António José Paulino

 

Há acólitos que vão às compras para os idosos, padres que telefonam a todos os paroquianos que estão sós, bispos que angariam dinheiro para comprar ventiladores… A lista de ações de solidariedade dinamizadas pela Igreja Católica e instituições a ela ligadas para enfrentar a pandemia de covid-19 cresce a cada dia que passa. Em articulação com as autarquias e instituições como o Banco Alimentar, a Igreja tem-se desmultiplicado em esforços para chegar aos mais idosos, pobres e sem-abrigo, e também para apoiar os serviços e técnicos de saúde. À falta de um antivírus, muitos católicos têm a solidariedade.

“Temos tentado passar uma mensagem muito importante: a Cáritas não fechou”, diz ao 7MARGENS Joâo Pereira, secretário-geral da Cáritas Portuguesa, uma das instituições mais importantes com presença no terreno, através das 20 Cáritas das diferentes dioceses. “Estamos a fazer um esforço grande, num contexto de uma emergência totalmente diferente e de uma realidade que é semelhante em todo o mundo.”

“É um desafio complexo manter tudo a funcionar”, diz o responsável, dando o exemplo de apoios em áreas como a violência doméstica, o atendimento a necessidades sociais ou desempregados. “Temos procurado manter os serviços possíveis à população, seja através de atendimentos não presenciais (a não ser em casos estritamente necessários) como das respostas sociais, nomeadamente aos idosos. Mas João Pereira não esconde: “Preocupa-nos o futuro, pois o que aí vem que será transversal a todos os países.”

No concreto, a Cáritas ainda não sentiu que haja mais gente a pedir ajuda por ter ficado desempregada ou por ter sido vítima de violência doméstica ou pelo aumento de necessidades especiais. Mas João Pereira diz que já há casos de pessoas que, não podendo vender na rua, já não têm dinheiro para pagar a pensão, por exemplo. E do lado do retorno, também não é possível medir ainda se há um aumento de donativos para a conta aberta para o efeito, já que o peditório nacional, que deveria ter decorrido há duas semanas, foi cancelado. Apesar disso, há já empresas a fazer ofertas, por exemplo, de material de proteção.

 

Espaços e donativos para apoiar o sistema de saúde

Ao nível das dioceses, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, foi um dos primeiros a dar o exemplo, disponibilizando o Hotel do Lago, no Santuário do Bom Jesus, para alojar os profissionais de saúde empenhados no combate à pandemia de covid-19. Na diocese de Santarém, o bispo José Traquina colocou à disposição da Proteção Civil e do Centro Hospitalar Médio Tejo o espaço da ex-Escola Superior de Educação, em Torres Novas. Pediu também a todos os párocos da diocese que avaliassem a possibilidade de disponibilizar outros espaços. E a diocese de Angra do Heroísmo assegurou que a Clínica do Bom Jesus, em Ponta Delgada, dará apoio complementar ao Serviço Regional de Saúde.
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Já a diocese de Viana do Castelo ofereceu instalações para que o pessoal médico e os colaboradores das instituições de solidariedade social possam pernoitar e, assim, evitar a propagação do novo coronavírus. O bispo da diocese, D. Anacleto Oliveira, foi mais longe e uniu-se ainda a uma campanha lançada pela Liga dos Amigos do Hospital Padre Américo, apelando ao clero e à população da região que contribuam com donativos para que o hospital distrital possa adquirir ventiladores. Com esta campanha, foi já angariado dinheiro para a compra de três dos dez ventiladores que a Unidade Local de Saúde do Alto Minho encomendou para dar resposta às necessidades do hospital.

Outros três ventiladores foram oferecidos ao Serviço Nacional de Saúde pelo Santuário de Fátima, que desde o início da pandemia disponibilizou ainda equipamentos logísticos, como camas, colchões e outros, para uso da Proteção Civil em caso de necessidade.

 

Idosos não precisam de sair de casa

Há quem se disponibilize para ajudar os mais velhos, o maior grupo de risco na covid-19. Foto © Ozias Filho

 

Em todo o país, grupos paroquiais, movimentos e sacerdotes estão a mobilizar-se individualmente para ajudar quem mais precisa perto de si e há listas com muitas iniciativas. É o caso da paróquia de Santa Cecília (Câmara de Lobos, Funchal), onde o grupo de acólitos (pessoas que ajudam o padre na celebração da missa) tem apoiado os mais idosos, fazendo as suas compras do supermercado e da farmácia. O mesmo serviço é prestado na paróquia de Cascais (Lisboa), pelo grupo Amigos à Mão, e também pelos próprios padres, em algumas paróquias.

O padre Sandro Vasconcelos, responsável por seis comunidades de Braga, tem ido às compras, à farmácia, à banca dos jornais, aos correios, e até pagar contas dos seus paroquianos mais idosos. Partilhou o seu número de telemóvel nas redes sociais e está disponível também para prestar apoio espiritual, tudo à distância de um simples telefonema.

Quem também apostou no “ministério do telefone” foi o padre João Alves, pároco da Vera-Cruz (centro de Aveiro), que fez uma lista de contactos de todos os doentes e idosos que vivem sozinhos e costumam ser acompanhados pela paróquia (ao todo mais de 30), aos quais tem ligado regularmente.

Na Capela do Rato, em Lisboa, o padre António Martins, juntamente com  Comunidade de Sant’Egídio, lançaram o “desafio à solidariedade” e estão neste momento à procura de mais voluntários para colaborarem de quatro formas possíveis: disponibilizando tempo para ir ao supermercado ou à farmácia por aqueles que não podem fazê-lo; contribuindo financeiramente para ajudar nas despesas de famílias carenciadas ajudadas pela comunidade; fazendo entregas de produtos; ou simplesmente ajudando a identificar nas suas áreas de residência casos de pessoas que necessitem de apoio.

 

Mais ajuda para os sem-abrigo

Sem-abrigo em Lisboa: há mais pessoas a precisar de ajuda na rua, diz a Comunidade Vida e Paz. Foto © Ozias Filho

 

Em Lisboa, cidade do país com maior número de sem-abrigo, a Comunidade Vida e Paz (CVP) chegou ao ponto de duplicar o número de refeições distribuídas diariamente (costumavam ser 400 e já chegaram às 800), pois as restantes instituições de apoio aos sem-abrigo não estavam a conseguir manter os apoios habitualmente prestados. “Mas neste momento o cenário já não é tão desolador”, garantiu a diretora da instituição, Renata Alves, em declarações ao 7MARGENS.

“Há algumas instituições que conseguiram retomar os seus serviços e temos verificado que já há pessoas sem-abrigo a recorrer aos espaços disponibilizados pela Câmara Municipal, e também a receber ajuda da parte de algumas juntas de freguesia e paróquias da cidade”, explica.

A responsável da CVP refere também a “extraordinária resposta da parte de particulares, empresas e benfeitores” à campanha de angarição de bens alimentares e donativos lançada recentemente pela instituição. “Temos estado a receber ajuda diariamente e esperamos continuar a receber, pois mesmo assim temos distribuído uma média de 600 refeições por dia, além de mantermos em funcionamento as nossas estruturas residenciais”.

Renata Alves deixa ainda um alerta: “Cada vez mais, têm vindo a solicitar ajuda pessoas diferentes das que habitualmente o faziam, e que não são sem -abrigo. Têm-se aproximado das nossas viaturas para procurar comida algumas famílias e imigrantes de diferentes nacionalidades, pessoas que muito provavelmente já tinham poucos recursos e que, com esta situação, terão ficado sem emprego e estarão já a ficar sem recursos”.

 

Linha de emergência contra a fome

Em declarações ao jornal i,  a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome (BACF), Isabel Jonet, refere qua também ali sentiram “um acréscimo muito, muito substancial de pedidos de apoio por parte de pessoas com baixos recursos económicos e que ficaram em situações muito difíceis, ou porque perderam o emprego, ou porque a resposta social que habitualmente as ajudava encerrou”.

De acordo com esta responsável, “as situações mais difíceis nesta altura são em Lisboa, Setúbal e Porto, porque nestes sítios houve muitas pessoas que ficaram sem emprego – pessoas que eram prestadoras de serviços ou que trabalhavam por conta própria em pequenos cabeleireiros, ou mesmo empregados de mesa em cafés e em restaurantes, e que ficaram sem emprego”.

Diante do enorme aumento de pedidos de ajuda, o BACF criou uma linha de emergência telefónica e online, encaminhando todas as situações identificadas para as juntas de freguesia ou instituições de solidariedade da zona onde as pessoas residem, através das quais passam então a receber a ajuda do Banco Alimentar.

Isabel Jonet, que está na instituição há já 26 anos, garante que é a primeira vez que se depara com situações de carência tão graves. “São situações muito difíceis aquelas que se vivem nas famílias. Eu acho que hoje posso dizer que em alguns lugares de Portugal há pessoas que passam fome. E passam fome porque deixaram de ter as respostas que habitualmente as ajudavam”, afirma. Mas, ainda assim, mantém a esperança na solidariedade. “Eu sou uma mulher de fé e, portanto, não acredito que havendo necessidade de ajuda e de apoios, essa ajuda não chegue”.

(Este texto teve o contributo de António Marujo)
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