
© Alberto Teixeira
Não sei grego nem latim e o conhecimento que tenho dessas línguas constam do despertar que recebi no secundário, para a sua importância na formação da língua portuguesa, na cultura e pensamento em Portugal.
Hoje li um texto sobre a palavra “ressurreição” em português e os equivalentes vocábulos gregos e latinos usados nos textos do Novo Testamento. O texto, escrito por Frederico Lourenço, cujas traduções da Sagrada Escritura têm sido muito celebradas, debruça-se sobre a importância da sintaxe desses vocábulos, mas também me parece passar em tangente um certo “dualismo” no discurso – segundo a qual existe uma separação entre a matéria e o espírito, quando se refere a Jesus como a “linha direita que marca a fronteira” entre o mal e o bem.
Sobre o “dualismo” e a sua afirmação no pensamento na antiguidade grega já foram escritas muitas páginas: o zoroatrismo mesopotâmico, o maniqueísmo, o arianismo, mais recentemente o islão, sem esquecer o movimento gnóstico transversal ao judaísmo e cristianismo.
Mas sobre a ressurreição, como elemento central e importante da fé cristã, não pode a sua relevância emergir da análise sintáctica, ainda que seja muito douta e irrepreensível; a semântica gravada nas pedras do tempo construiu um edifício complexo e diversificado sobre o que podemos entender por “ressurreição” e os tradutores não deixam de veicular o seu pensamento e influências nas suas obras.
A discussão sobre este assunto e outros não deixa de ser relevante e deve existir, para que, no caso dos cristãos, eles se revistam na Fé que professam; nem que seja para despertar as mentes de um certo torpor religioso.
Os cristãos cremos na total ressurreição da alma e do corpo, como vitória de Jesus Cristo sobre a morte e o pecado, conforme ensinado por Jesus e transmitido pelos evangelistas e por Paulo.
A ressurreição é central e tem raízes no judaísmo (os saduceus, principais perseguidores de Jesus, recusavam-na): “Assim diz o Senhor Deus a esses ossos: Eis que vou fazer entrar em vós o sopro da vida e vivereis” (Ezequiel 37:5). Esta é uma passagem de um texto muito pungente e dramático quando Ezequiel pregava; lida no Sábado intermédio da Páscoa Judaica, recorda a libertação do Povo de Deus e a sua Redenção.
Para o pensamento actual, a ressurreição do corpo é algo incrível, mas quando abordado segundo o olhar da fé em Deus, o renascimento torna-se mais milagroso que o nascimento.
A ideia de renascimento, porque nunca a experimentámos, pode parecer menos relevante que o maravilhoso processo de fertilização e desenvolvimento do intrincado sistema biológico, com um cérebro complexo, onde também residem as emoções. Podemos participar na criação da vida, mas não podemos participar na recriação de Deus; tanto mais que a recriação de Deus não integra a teoria biológica, ainda que esta esteja a atingir um desenvolvimento crescente, como demonstram as sucessivas experiências e realizações de biólogos, que são criaturas criadas à imagem e semelhança de Deus.
Cremos que a sabedoria dos homens está no plano de Deus e que a recriação de Deus é como a chuva que toca a quietude de inverno que fez cair folhas e apodrecer frutos, para fazer os botões brotarem, as flores eclodirem e as frutas coloridas irromperem; mas nem todas as plantas reviverão, como nem todos os seres humanos farão parte da comunidade dos justos que ressuscitarão.
A ressurreição emerge na confiança do ser humano em Deus e na sua Graça e recompensa em reavivar os que, estando mergulhados na escuridão da morte, querem a Luz da vida.
Cada cristão não pode estar separado da sociedade onde vive e, se pretende incorporar a comunidade dos justos, tem que se aproximar de Cristo. Cremos que o corpo e a alma são criações inequívocas de Deus, sem depreciar a sua existência física, porque esta não se opõe ao espírito e corpo e alma ressuscitarão, porque ambos são dons de Deus. A existência física participa activamente na existência espiritual unindo-se pelas virtudes que mantém, cada um de nós conscientes do valor do mundo e de toda a criação que nos rodeia e de que devemos cuidar.
Na conversão a Cristo ocorre um renascimento espiritual, que no baptismo se compara com a morte e ressurreição de Jesus; conversão do corpo que se abre ao Espírito de Deus e tem de se manifestar pelo testemunho de cada um entre todos.
A vitória de Jesus sobre a morte e o pecado é a nossa libertação e perspectivada redenção para a vida eterna e incorruptível.
A relevância da ideia que cada um tem da ressurreição é superior à importância da sua sintaxe.
Alberto Teixeira é cristão ortodoxo