Trabalho exigente como referência

Foto: Padre Bernardo da Cunha: guineense, 53 anos, 22 de sacerdócio, ele é o arquivista da Diocese, bem como o notário-procurador, mas também vice-reitor e ecónomo do Seminário Menor, professor de Dogmática no Seminário Maior e de cultura religiosa no Liceu João XXIII, da Diocese. © José Alves Jana
O padre Bernardo da Cunha disse que não tinha tempo, mas com um pouco de insistência lá conseguiu uma pequena janela para falar connosco. Compreende-se: guineense, 53 anos, 22 de sacerdócio, ele é o arquivista da Diocese, bem como o notário-procurador, mas também vice-reitor e ecónomo do Seminário Menor, professor de Dogmática no Seminário Maior e de cultura religiosa no Liceu João XXIII, da Diocese. Chega? Não, ainda é pároco em Caió. Como é que dá conta de tanto recado? “Pois esse é o problema”, diz-nos. “Há falta de pessoas, tenho de fazer uma grande ginástica: dia e noite estou sempre a trabalhar.”
Já sabemos que a Diocese de Bissau é recente, teve em 1977 o seu primeiro bispo, D. Settimio Ferrazzetta, que morreu em 1999, com fama de santidade. O atual bispo, já o terceiro, é D. José Lampra Cá, desde 2021, mas está agora na Europa por razões de saúde. Se pensarmos que a outra diocese, de Bafatá, não tem bispo, por ter falecido de covid, temos que a Guiné-Bissau católica está fragilizada na liderança.
Esta diocese, a de Bissau, tem 11.490 km², com cerca de 1 099 970 habitantes, dos quais 172 575 católicos (16% da população), distribuídos por 27 paróquias. O trabalho religioso e social da Igreja é feito, quanto a padres e frades e por ordem de importância, por Franciscanos, PIME, diocesanos, espiritanos, oblatos… num total de seis entidades; e quanto a religiosas, por Franciscanas Hospitaleiras, Franciscanas da Imaculada Conceição, de S. José de Cluny e outras, num total de 18 congregações.
As relações com o Estado são “boas”, diz o padre Bernardo, “de apreciação pelo nosso trabalho”. Ao contrário de outros tempos, a diocese “não tem privilégios ou isenções, embora muitas vezes substitua o Estado na educação, na saúde, na formação feminina… Estamos em todo o território, na evangelização religiosa e no trabalho social, só não estamos na política. E somos exigentes, levamos o trabalho a sério, somos uma referência”. Além do ensino até ao secundário, tem alguma formação profissional e a Universidade Católica, “católica” de iniciativa e propriedade, não de ciências religiosas: os cursos são de educadores de infância, professores, gestão de empresas, administração pública, engenharia informática.
Um dos problemas é a falta de vocações, tanto masculinas como femininas, pois o trabalho, tal como a população, não para de aumentar. Isto apesar de o saldo ser positivo, mais admissões do que mortes ou saídas, embora tenha alguns padres com problemas de saúde, dada a exigência do clima.
A seara é grande e os trabalhadores são poucos

Pedir mais tempo ao padre Bernardo seria roubá-lo a alguma atividade que já o esperava. Deixamo-lo no simples, mas belo e fresco ambiente da Cúria diocesana. O passo seguinte seria, alguns dias depois, encontrar o padre Davide Sciocco, vigário-geral da Diocese. Como combinado, vamos encontrá-lo na “igreja de Fátima”.
Italiano, tem 59 anos e 30 de África, é o superior do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras) na Guiné-Bissau, colabora com o pároco na Paróquia de N. Sra. de Fátima e é o responsável máximo na Diocese, dada a ausência do bispo, com o qual se mantém em contacto. Foi apanhado de surpresa, em Setembro passado, um dia antes de o bispo partir sem data de regresso. Quando ali estivemos, aguardavam-se notícias do seu estado.
O padre Davide confirma que “a seara é grande e os trabalhadores são poucos”, numa diocese “muito nova”. “Aqui, não é como em Portugal: cada paróquia tem várias comunidades, cinco, dez, até quinze, e muitas vezes são aldeias do primeiro anúncio, do primeiro contacto com o Evangelho. Eu, por exemplo, trabalhei doze anos em Mansoa, a sessenta quilómetros de Bissau, e comecei uma presença missionária em muitas aldeias onde nunca tinha havido uma presença da Igreja. Leva muito tempo a formar comunidades cristãs. Por vezes, trabalha-se em realidades que não estão abertas à conversão, mas é uma presença de serviço, de diálogo inter-religioso.”
Depois da guerra civil (1998/99), “tem havido uma presença sempre maior no território, abrindo novas missões, por vezes sem padre, apenas com a presença de irmãs ou de alguns leigos.” Ao contrário do que se passa, por exemplo, em Portugal, aqui há, embora lento, um crescimento do número de padres e irmãs no território. E com uma média de idades baixa: “Nenhum padre tem sequer setenta anos.” Não são muitas as vocações: mas a diocese “vai agora ordenar três diáconos, após cinco anos sem ordenações” (tem oito candidatos no Seminário Maior). Essa falta é, porém, compensada: “É muito forte a presença e o compromisso dos leigos”. Contudo, “uma grande dificuldade é a formação de famílias cristãs: há um grande número de batismos e crismas, mas os casamentos, como sacramento, são muito poucos. Por exemplo, aqui na paróquia, temos 150 batismos num ano e 10 casamentos. Este é um trabalho a fazer.”
Além de afirmar a presença da Diocese no ensino, do jardim de infância à universidade, “quase todas as paróquias têm escolas, algumas privadas e outras do Estado mas com gestão da paróquia e da população”, o padre Davide refere o trabalho social: “A Diocese de Bissau, além da presença religiosa, sempre teve um importante trabalho social, através da Cáritas diocesana e da Cáritas de cada paróquia.” E não esquece a forte presença na comunicação social: foi ele que fundou, em 2001, a Rádio Sol Mansi, em Mansoa, quando viu que, se era boa para fazer a guerra civil, também serviria para construir a paz.
A caminho para uma Igreja de comunhão, participação e missão

O Sínodo da Igreja Católica, convocado pelo Papa, também faz mexer por aqui. “A parte diocesana já foi feita, todas as paróquias responderam às perguntas”, de que foi elaborada a síntese e enviada à Conferência Episcopal Interterritorial do Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Mauritânia, a que pertencem as duas dioceses, de Bissau e de Bafatá. “O lema da Diocese para este ano é o mesmo que o do Sínodo: ‘A caminho para uma Igreja de comunhão, participação e missão’.”
A ausência do bispo não perturba de modo significativo a “vida ordinária” da Igreja diocesana, pois “é uma igreja muito viva, tem muitos grupos, muitos leigos a trabalhar e, portanto, vai para a frente”. Já a longo prazo, as coisas são diferentes. À porta da igreja de N. Sra. de Fátima, a lista dos catecúmenos apresenta umas dez “turmas”, mas apenas cerca de 10% são homens. É uma igreja feminina? “Sobretudo a nível dos adultos, a presença é, na grande maioria, feminina. As mulheres são uma força. Ao mesmo tempo é preocupante a ausência dos homens.”
Quanto ao relacionamento com as outras religiões, sobretudo muçulmanos e animistas, “a cultura guineense é, por tradição, de grande respeito por tudo o que é ligado à religião. Por isso houve sempre uma grande colaboração. Por exemplo, na Rádio Sol Mansi, que eu fundei e é da Igreja, trabalham juntos cristãos e muçulmanos, tem um programa islâmico e eu fazia um programa católico numa rádio muçulmana, que agora está bloqueada por motivos económicos. Também com a religião tradicional [animista], mas esta não é uma religião organizada, por isso não há um diálogo oficial, mas uma boa convivência. E com a Igreja Evangélica, a mais antiga, também há uma boa colaboração. O problema vem dos novos elementos que estão a entrar: essas novas igrejas do mundo pentecostal, que são radicais e muito anti-católicas. Mesmo querendo, é muito difícil o diálogo.”
Também a nível do islão, diz, “há forças exteriores que estão a entrar, radicais, que querem introduzir um sistema de que os guineenses não gostam, seja no vestuário, a burca, que para os guineenses é um escândalo, mas aos poucos está a entrar, seja na proibição de comer junto com os cristãos, que não existe aqui, nem no Alcorão, mas que essas correntes radicais introduzem”. E “tudo isto cria um problema de diálogo.” Mas há outros cuidados. “A coisa mais preocupante é o uso que alguns partidos e forças políticas fazem da religião. Quando se usa a religião na política, isso é muito perigoso, no sentido de identificar um partido com uma religião. Ou com uma etnia. São coisas que antes não existiam e que agora estão a entrar e a criar problemas noutras partes de África.” Está a referir-se ao recente incidente em Gabú, o primeiro de que há notícia?
“Não é isso. Sobre esse caso não posso dizer nada, porque não se sabe quem fez. É mais ao nível do debate político: em público não se diz, mas na propaganda porta a porta, se um candidato é de uma religião ou de uma etnia, por vezes utiliza esse elemento.”
O padre Davide é italiano, tem 59 anos, como acima se disse, foi ordenado com 24. Como se vê com 30 anos de África? Abre um sorriso sereno. “Sinto-me em minha casa. Tenho uma ligação muito forte com a minha família e os meus amigos na Itália, que sempre me apoiaram com amizade, com visitas e com ajuda, mas sinto-me em casa aqui. E sinto uma grande aceitação da parte da população com que vivo, bem como dos padres e das irmãs guineenses. É uma vida junto [às pessoas]. Para mim, seria um sofrimento deixar a Guiné-Bissau.”
José Alves Jana é doutorado em filosofia, professor aposentado e voluntário associativo. Contacto: jalvesjana@gmail.com