“Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária.
Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.”
(Lucas 10, 38-42).

“Ao dizer o que diz a Marta, Jesus, que é um homem de ação sustentada na oração, lembra que o que fazemos precisa de ter sentido, e que a cada momento há algo que é mais importante.” Pintura: Juan Antonio Vera Calvo (1825-1905): Jesus em casa de Marta e Maria. Museu do Prado, Madrid.
No início de um novo ano letivo, em tempo de regresso ao trabalho, dei por mim a pensar que esta passagem do Evangelho de Lucas pode trazer alguma sabedoria aos nossos dias. Depois de um tempo de férias, que pode ter sido de mais ou menos descanso, pode ajudar perceber como podemos viver cada dia de forma mais equilibrada, em vez de vivermos à espera das próximas férias, esgotando até lá energias e ânimo.
Para viver com mais equilíbrio é preciso treinar boas escolhas todos os dias. Mas para escolher bem é preciso perceber o que está em causa. Neste episódio em que Jesus está com Marta e Maria, podemos pensar que a tensão ilustrada por estas mulheres é apenas a tensão trabalho/oração. Se assim for, podemos correr o risco de interpretar que Jesus está a dizer que a oração é a prioridade, que o trabalho não é importante e que todos devemos ser como Maria.
Ao dizer o que diz a Marta, Jesus, que é um homem de ação sustentada na oração, lembra que o que fazemos precisa de ter sentido, e que a cada momento há algo que é mais importante. Umas vezes é agir, outras vezes é parar e escutar. Precisamos de prioridades. Mas Jesus não diz aqui que a única prioridade é a oração. Muito menos uma oração que interrompe tudo o resto que temos de fazer. Como se a oração fosse algo que fazemos fora da vida do dia a dia, ou como se os trabalhos e ansiedades fossem coisas mundanas. Não, nada disso! A vida é feita de tudo isto. É feita dos trabalhos e ansiedades de Marta, como é feita dos gestos de escuta e oração de Maria.
E se, em vez de nos perguntarmos quem sou eu nesta passagem, Marta ou Maria?, que pode conduzir à constatação enviesada de que somos mais vezes Marta do que Maria, nos perguntarmos: qual é a melhor parte? O que está em causa neste meu dia, neste momento, nesta fase da vida em que me encontro? Acho que é da procura dessa melhor parte que Jesus nos quer falar.
Todos os dias podemos escolher. Escolher a pior parte pode ser ocuparmo-nos do que ainda não é, do que deveria ter sido ou do que poderá ser. A pior parte será aquela que mais nos divide, que nos opõe, nos entristece, nos inquieta, nos afasta dos outros e nos afasta de Deus. Por outro lado, a melhor parte é a que unifica, que pacifica e que por isso é a melhor. É o mais, no meio de tantos menos dos nossos dias e das nossas vidas.
Esta passagem não é para nos martirizarmos, como tantas vezes fazemos de forma precipitada a partir de passagens bíblicas. Não somos eternamente culpados e em falta! Nem Marta nem nós. Escolher só uma parte da narrativa pode incapacitar-nos de ver o que realmente Jesus nos quer mostrar. Somos salvos! Não fomos, somos. E por isso, somos convidados, a cada dia, a escolher esta melhor parte, não com peso e por decreto, mas porque aí está a experiência desta salvação. Está a nossa felicidade. Está um caminho de maior construção das nossas relações. Escolher a melhor parte pode ser a diferença entre fazer uma ferida numa relação ou dar um passo em frente, ter razão ou tentar dialogar. Escolher é difícil. Como diz São Paulo, tantas vezes fazemos o que não queremos e o que sabemos não ser bom. Precisamos de encontrar bons critérios e de estarmos mais atentos, de nos sintonizarmos com a verdade do que vai cá dentro. E de tentarmos todos os dias.
A melhor parte não é outra parte fora de nós, fora de onde estamos, numa vida mais idealizada. A melhor parte é uma possibilidade a cada dia. Nessa melhor parte reside uma mensagem importante, de ânimo, de esperança, de transformação. E por isso, nunca nos será tirada.
Rita Sacramento Monteiro define-se como construtora de pontes; é escuteira, estudou Ciências da Comunicação e trabalha numa empresa portuguesa em projetos de impacto social.