
“Aceitar não é desistir de lutar, nem ser fraco. Aceitar é adquirir poder transformador, sabedoria e humildade.” Foto: Direitos reservados
Era uma vez… Uma vida prevista, preparada para a evolução natural, também prevista; organizada para o presente e o futuro, também previsto; estruturada de acordo com os conhecimentos hiperdesenvolvidos sobre quase tudo, também previstos.
A realidade era aparentemente controlada e organizada, evolutiva e sem grandes sobressaltos, garantida e, porque não dizê-lo, prepotente.
Quase de repente passámos da prepotência para a impotência, do previsível para o totalmente imprevisto, do futuro garantido para a dúvida, de novo metódica… Enfim, tudo isto, se é que queremos crescer em humildade e naquilo de que precisamos para humanizar a nossa humanidade anteriormente quase desumanizada, apenas carece de apaziguamento.
Talvez por muitas destas observações, ao alcance de cada um de nós, tenho ouvido por aí que o mundo estava a precisar de uma pandemia, algo que ninguém pudesse imaginar como iria fintar o homem no seu percurso pseudo-evolutivo.
De uma vez por todas – Não. O homem não precisava de nada disto e, queira Deus, que se liberte mais depressa do que se prevê, do panorama obscuro, dominado pelo medo e pela dúvida, pelo isolamento e pela falta de abraço.
Objetivamente, agora, não restam alternativas. Temos mesmo que aprender para que, quando termine esta obscuridade existencial atual, não fiquemos de tal forma perturbados que não nos sobre saúde mental para aproveitar a sabedoria que inevitavelmente estamos a adquirir. Teremos de ser capazes de voltar a abraçar, a exprimir afetos fisicamente, a saber que há manifestações que são saudáveis, imprescindíveis e que nos fazem segregar substâncias fundamentais para o nosso bem-estar.
Pois sim, mas agora não.
Temos consciência de que a saúde mental, ou as atuais perturbações desta, são o segundo tema, depois dos conteúdos concretos da pandemia. Parece bizarro que só uma situação limite tenha dado ao mundo a oportunidade de perceber quanto o nosso equilíbrio psico-emocional é fundamental. Quem, como eu, andou em lutas sistemáticas para trazer à ordem do dia este então parente pobre da saúde e agora, sem mais, constata quão fundamental ele se tem tornado, percebe que só quando tudo pode tocar a todos é que se valoriza a verdadeira essência das coisas.
A dúvida, a incerteza, a insegurança, o medo sistemático, a deturpação da forma de educar e de mostrar amor, enfim… tudo isto contribuiu e continua a contribuir para a instabilidade do ser humano. É por isso que, por mais que custe, não nos sobra alternativa se não a pedagogia da aceitação, como forma de esperança e início da nossa transformação.
Aceitar, como alguém disse, não é desistir de lutar, nem ser fraco. Aceitar é adquirir poder transformador, sabedoria e humildade.
Fomos educados para protestar, reclamar, guerrear, resistir e combater tudo o que nos contraria, mas o que agora precisamos é da quietude interior da aceitação, sem nos confundirmos. Não podemos desistir, resignar-nos ou acomodar-nos. Isso nada tem a ver com o que hoje nos faz falta. Precisamos de adotar um olhar novo para as dificuldades que se nos apresentam. O inevitável reside agora diante dos nossos olhos. O impossível aconteceu. Queremos caminhar, construir e ter paz, encontrando as soluções que venhamos a descobrir que de nós dependem.
A não aceitação de um tão grande contratempo revolta-nos, aprisiona-nos, frustra-nos e entristece-nos, aumentando as dificuldades e dando corpo volumoso aos obstáculos que precisamos urgentemente de transformar em desafios. Pelo contrário, o facto de aceitarmos é um passo para encontrarmos respostas criativas, alívio para os problemas, maior alegria para o dia-a-dia.
Precisamos de identificar objetivos concretos; de viver o que está ao nosso dispor com gratidão; de diferenciar este tempo de períodos longínquos em que, por mais que o homem fizesse, outros homens iam destruir a sua obra e mesmo a sua vida. Isso sim, eram momentos de guerra insana, imparável e generalizada.
A aceitação é um desafio – escolher não sofrer, apesar das adversidades.
Precisamos de cumprir regras novas com as quais não nos identificamos, é certo. Contudo, se cada um fizer a parte que lhe compete, cada outro e o próprio, terão mais rapidamente um melhor lugar para existir.
Margarida Cordo é psicóloga clínica, psicoterapeuta e autora de vários livros sobre psicologia e psicoterapia.