A porta aberta e a mesa posta: uma comunidade que celebra a Fé

| 24 Jan 2023

Serra do Pilar

“Tinha acontecido a Revolução de Abril e os cristãos ensaiavam a renovação da sua prática litúrgica e interrogavam-se sobre como levar o espírito evangélico à cidade em turbulência. A essa cidade que se contempla de forma ímpar do terreiro defronte ao mosteiro e sobranceiro ao rio Douro.” Foto reproduzida da página da Comunidade Serra do Pilar.

 

Ao Domingo, pelas onze horas, cerca de 300 pessoas, isoladas ou em família, sobem a rampa do Mosteiro para a celebração da eucaristia, o encontro semanal da Comunidade e centro da sua vida religiosa.

Uns, vão a pé. São os que residem nas imediações e para quem o Mosteiro da Serra do Pilar (Gaia) sempre foi uma referência; para muitos a casa onde brincaram, cresceram, fizeram amigos, abriram horizontes e aprenderam a Fé.

Outros, chegam de carro, vindos dos quatro cantos da cidade. Foram aparecendo, desde que, no Outono de 74, o padre Arlindo Magalhães foi nomeado capelão e trouxe ao antigo convento (séc. XVII) dos cónegos regrantes de Sto. Agostinho as ideias do Vaticano II [o padre Arlindo morreu no passado dia 18; era ele que animava a Comunidade da Serra do Pilar, cuja experiência foi já descrita em outros textos do 7MARGENS].

Tinha acontecido a Revolução de Abril e os cristãos ensaiavam a renovação da sua prática litúrgica e interrogavam-se sobre como levar o espírito evangélico à cidade em turbulência. A essa cidade que se contempla de forma ímpar do terreiro defronte ao mosteiro e sobranceiro ao rio Douro.

Dos muitos que passaram por aqui, alguns ficaram, outros aparecem às vezes, num ritmo e lógica urbanos em que as pessoas se juntam por afinidades de preocupações e interesses.

Passando a porta, entra-se na igreja, de planta circular, com uma balaustrada a delimitar duas coroas concêntricas, como concêntrica é a imagem do Povo de Deus, voltados uns para os outros.

Mudo, a interpelar quem entra, está o móvel quase cúbico da Partilha Fraterna. Discreto, como o serviço que administra as ofertas que nele são colocadas. O Grupo da Partilha Fraterna constituiu-se em 1980, animado pelo Sr. Santos, para responder às inúmeras situações de carência com que a Comunidade era confrontada e que exigiam uma ação refletida e coordenada. Pretende-se partilhar não só com os elementos da Comunidade Cristã da Serra do Pilar mas também com os moradores na Escarpa e em toda a zona envolvente do Mosteiro. O conhecimento dos problemas chega através das pessoas ou entra porta adentro com as crianças da Catequese. Para além das ajudas financeiras e em bens materiais, o método é tentar criar uma rede de apoios e solidariedades que envolva as instituições públicas e privadas que atuam na zona e que abra as portas de hospitais, tribunais, empregos, etc. O desafio atual é conhecer mais profundamente as potencialidades de cada um, de forma a mobilizar as capacidades de toda a Comunidade para esta dimensão fundamental da vida cristã.

À porta está o Grupo do Acolhimento, primeiro responsável por receber quem chega. Formado nos primeiros tempos e contagiado pela alegria do Chico, desde cedo se tornou um dos traços característicos da Comunidade.

Foi através do Acolhimento que muitos sentiram que a Serra é a sua casa, onde cada um tem lugar e nome. O Serviço pretende ainda dinamizar o relacionamento e a interligação dos grupos que compõem a Comunidade (um momento privilegiado para isso é o Passeio anual) e tem uma complementaridade especial com o Serviço da Partilha Fraterna. É talvez necessário aprender a acolher à saída. Alguns cristãos retiraram-se do nosso convívio e nem sempre se indagam as razões e se aprende com elas.

Junto à entrada é possível encontrar a Água purificadora, na época que se segue ao Batismo das crianças. Este ocorre habitualmente na Páscoa, o tempo maior e foco de toda a Liturgia.

Um pouco à frente, já no interior da balaustrada, é o lugar da Palavra. Aí os leitores, iluminados pela Luz do círio pascal, proclamam os textos do dia. Deste grupo espera-se que junte à missão de ler o empenho em refletir os próprios textos.

À esquerda está o Serviço de Música. Assumido pelo grupo coral, cuja existência antecede a formação da própria Comunidade, foi um dos primeiros polos da sua construção. Tem como principal objetivo contribuir para que a Liturgia seja bela, viva e participada. Além disso, tem mantido uma atividade de divulgação musical com a realização regular de concertos. É importante manter a dinâmica de renovação que vem sendo seguida nos últimos tempos.

Do lado oposto, silenciosa, mas sempre presente, a Cruz de Jesus Cristo olha de frente e convida à Oração. Para além da Eucaristia dominical, a Comunidade tem à sua disposição um outro momento semanal, a Oração de Quinta-feira. Esta tem sido um espaço íntimo que a persistência de poucos tem mantido. Por lá passaram angústias e alegrias num profundo sentido de partilha. É urgente revalorizar este espaço e até fazer nascer outros grupos de Oração, possivelmente em locais mais convenientes para encontros em dias de trabalho.

Atrás da Cruz, sentam-se as crianças da Catequese quando, após uma liturgia da Palavra específica, na sacristia, se reúnem aos adultos, na igreja, para a liturgia Eucarística. Reforça-se assim a ideia de que todos têm o seu lugar e fazem falta na Assembleia, que é o ponto de encontro de toda a Comunidade.

A cadeira do Presbítero fecha o quarto vértice do losango. Para além de uma liturgia digna, sóbria e regularmente renovada, a grande força congregadora da Comunidade tem sido sobretudo a riqueza das homilias.

Oportunas, profundas e claras, dirigidas a homens concretos, cidadãos deste Mundo, resultam do facto de o Presbítero estar perfeitamente radicado na comunidade humana de que faz parte. Homem da Palavra e seu servidor por amor dos homens, seus irmãos, eis a tarefa do presbítero: anunciar aos homens a Palavra de libertação, não meramente escatológica, mas histórica.

Ao Presbítero cabem, de forma especial, três ministérios:

  • o serviço profético – todo o serviço da Palavra de Deus;
  • o serviço sacerdotal – funções entregues aos discípulos, nomeadamente a Eucaristia;
  • o serviço real – ligado ao governo do Povo de Deus.

Estes ministérios são também do Povo de Deus, no seu conjunto: povo de profetas, sacerdotes e reis.

Ao fundo da igreja, o altar-mor é hoje um elemento esquecido. A Mesa da Eucaristia foi-se, em passos sucessivos, aproximando dos cristãos para se encontrar hoje bem no centro da Assembleia. A Mesa é posta pelos ministros da Comunhão, que auxiliam o Presbítero no partir do Pão e na sua distribuição.

Num dos altares laterais encontra-se a imagem da Senhora do Pilar, com o Menino ao colo, que lhe esclarece o significado. É a padroeira do Mosteiro, especialmente invocada no dia da Assunção, uma das festas tradicionais de Gaia.

Lá do alto, junto da abóbada esférica, a imagem de Sto. Agostinho parece velar pela Comunidade, recordando que deve haver

no essencial, Unidade,
no acessório, Liberdade,
em tudo, Caridade.

Terminada a celebração, o Acolhimento entrega às pessoas a Folha Dominical, para ser lida durante a semana. Já à entrada tinha sido distribuída a Folha da Liturgia, com os textos da celebração. Se serve para compensar a má acústica do Mosteiro, permite também levar para casa a Palavra, prolongar-lhe o efeito e enviá-la aos amigos, pelo correio. Na Folha Dominical reproduzem-se textos de diversas origens e dão-se notícias da Comunidade. É desejável que os grupos e serviços aproveitem mais este importante meio para porem em comum as suas reflexões.

Os irmãos vão saindo e, conversando alegremente, partilham a sua vida com os amigos. Lá em baixo a vida espera.

 

Gabriel David é professor universitário e foi membro do Conselho da Comunidade da Serra do Pilar. Este texto foi originalmente publicado no verão de 1996.

 

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