
A nova ponte sobre o Trancão: “Aconselho vivamente este Caminho do Tejo”. Foto © Henrique Dias
Nestes dias que correm velozes, plenos de interrogações no mundo, parto… a pé. Aproveito a “boleia” de um pequeno grupo de peregrinos para Fátima. Seguimos pela nova ponte sobre o rio Trancão e o Caminho pedonal ribeirinho, que vem complementar o Caminho do Tejo, rumo a Fátima ou a Santiago.
Aconselho vivamente este Caminho do Tejo, pois desenvolve-se na sua maior parte em belos trilhos, caminhos e estradas rurais.
Tempo para reset… especialmente espiritual, onde se procura “escutar” e descortinar os sinais indeléveis, mas subtis, de Deus, que se cruzam na nossa frente em cada momento que passa.
Neste longo e duro percurso, não vim pedir nada em especial para mim.
É tempo de rever o que é tão necessário aos outros… e de procurar sentido na minha vida com o próximo.
Dar sem medida, sem esperar recompensa…
Procurar não ser o primeiro a ser servido…
Auxiliar os últimos…
Nada temer… fazer a experiência de que só Deus basta.
Viver com o essencial… ser frugal. Sentir o esforço, a dor, a incomodidade do calor abrasador, da chuva torrencial, dos músculos a ranger…
E no meio disto tudo, focarmo-nos no essencial, a relação…
A relação comigo. Com os outros… Com os que conheço… Os que desconheço… A abertura pessoal para escutar o diferente, até aquilo que não é ao nosso gosto ou de todo não entendemos à primeira vista… Dizer e fazer em coerência…
Por vezes é difícil entender como na oração se pede a fraternidade, fidelidade, compaixão e em gestos simples do quotidiano nos equivocamos, negando o que por vezes acabámos por repetir, orando…
A “prova de algodão” da Fé que nos anima é sempre feita com a coerência dos gestos que concretizamos na nossa vida, minuto a minuto. De que serve falar sobre o bem se, afinal, no concreto da vida somos incapazes de o fazer com gestos reais e só semeamos hipocrisia e relatividade?
A conversão pessoal é um caminho árduo e longo, tal como este trilho. O seu destino? A Esperança. Não importa como será o detalhe desse horizonte final, mas acreditamos que vale a pena percorrer, subir, descer, escutar, fazer silêncio até sentirmos que “algo” nos impulsiona para o bem comum, pois só essa morada faz sentido e nos liberta em felicidade (tal qual este caminho).
Há quem ore por preceito, com a vida no concreto vazia de Deus, porque se convence que isso basta a uma entrada no Céu.
Há quem ore e meça com régua e esquadro as boas ações que faz, com o fito da recompensa final do Céu.
Mas fruto desta peregrinação, deixei de me preocupar com a recompensa do Céu.

Para mim orar é estar perto de Deus, HOJE, e escutar, sentir o que esse Pai me vai inspirando nesta minha vida frágil e cheia de erros. Confio que Ele saberá acompanhar-me até ao fim. Desconheço o que se segue depois e nada vou exigir em troca. Confio na Sua sabedoria final.
Tenho de me preocupar com o que faço hoje com o meu próximo, pois esse é o Reino que Ele me pede a mim e a tantos todos os dias: “O que fazes com o teu próximo?”
Dei por mim na “capela do silêncio do percurso” (espaço virtual por ser o último ao longo dos quilómetros, qual carro-vassoura a dar alento aos que estavam cansados) e, ao mesmo tempo, imaginar os longos percursos de Jesus com os seus apóstolos, com Maria e outras mulheres. Os relatos bíblicos dão pistas do caminho árduo, mas rico na relação.
Tal como aqueles apóstolos, todos temos sede do transcendente, dAquele que nos pacifica e, perante a adversidade, nos levanta, levando-nos ao colo sem darmos conta.
Levei horas em silêncio a recordar e orar por cada uma das pessoas que levava na minha “mochila”. Alguns pediram-me para o fazer, outros não, mas sei bem das histórias difíceis de muitos. E ser apóstolo é rezar por todos esses desafios duros de outros irmãos. Cruzei-me com muitos peregrinos, novos e velhos, todos a dizerem que precisam de caminhar, de procurar, por vezes nem têm nada a pedir, por vezes só a agradecer. E em cada um que escutamos, vamos descortinando pequenos sinais de Deus que nos fala…
Foi um gosto este peregrinar. Recomendo vivamente! Põe-te a caminho! Faz-nos mais desprendidos e centrados no próximo! Só assim, no caso dos católicos, nos colocamos numa Igreja Sinodal inspirada pelo Espírito Santo, mais consciente do rumo a tomar e que se faz ao largo!
E tu, quando partes como peregrino?
Abraço fraterno em Cristo.
Henrique Dias trabalhou em televisão, fez parte do Corpo Nacional de Escutas e está envolvido em dinâmicas da paróquia dos Olivais-Sul (Lisboa)