Alguns esclarecimentos sobre como entender a reforma da Cúria Romana decretada a 19 de março pelo Papa Francisco (ver 7MARGENS) foram hoje, 21 de março, prestadas por responsáveis do Vaticano durante uma conferência de Imprensa que se prolongou por mais de duas horas e que pode ser vista em italiano no Youtube.
O bispo Marco Mellino, secretário do conselho de cardeais que Francisco reuniu como seu conselho privado, o padre jesuíta Gianfranco Ghirlanda e o cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para a Causa dos Santos, foram os participantes na conferência de Imprensa que serviu para apresentação da constituição Praedicare Evangelium que reforma a Cúria Romana.
Na sequência dos esclarecimentos prestados, quase toda a imprensa especialista sublinha três novidades centrais: o reforço da centralidade do sucessor de Pedro (que presidirá ao novo, e primeiro em importância, Dicastério para a Evangelização); a importância acrescida das conferências episcopais nacionais (52 vezes referidas no documento); e a possibilidade de leigos e leigas serem nomeados para chefiarem os dicastérios – designação que abrange, agora, todos os departamentos de “governo” do Vaticano, antes ditos “congregações” ou “conselhos pontifícios”.
Além destes três pontos, a agência Catholic News releva também o facto de a Secretaria de Estado se reduzir ao papel de secretariado do Papa, diminuindo, assim, a importância que chegou a ter em recentes papados (no de Paulo VI, por exemplo), em que o cardeal Secretário de Estado era visto como “primeiro-ministro” do Vaticano e candidato à sucessão papal. A agência refere ainda a redução da importância da Câmara Apostólica – “mini-Governo” da Igreja constituído para gerir o Vaticano após a morte do Papa e até à escolha do seu sucessor – instituído no séc. XII. Mas maior redução de importância sofreu o lugar do cardeal da ex-Congregação Propaganda Fidei que foi integrada no Dicastério da Evangelização presidido pelo próprio Papa. Desaparece assim um cargo que, recorda a Catholic News, tinha tanto poder (financeiro e outro) que quem o ocupava era tido como o “Papa Vermelho”.
De acordo com esta análise, ganha importância a ação social do Vaticano na medida em que o esmoler papal passa a ocupar o cargo de prefeito do novo Dicastério do Serviço da Caridade. Porém, uma das grandes alterações é o facto de, a partir da publicação do texto definitivo, os novos nomeados para liderarem os dicastérios terem mandatos de cinco anos, podendo ser reconduzidos uma única vez. Disposição que, concluiu a Catholic News, “serve para minar o carreirismo, desvinculando as cadeias de poder formadas quando as pessoas permanecem nos dicastérios por muito tempo.”
Uma última nota para uma “gralha” no documento, no artigo que dizia respeito à missa tradicional. Apesar de estar indicado no artigo 93 que “o Dicastério (para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos) ocupa-se da regulamentação e da disciplina da sagrada liturgia no que diz respeito à forma extraordinária do Rito Romano”, Marco Mellino afirmou que esse ponto teria de ser revisto, já que a sua redação era anterior ao documento Traditionis Custodes, publicado pelo Papa Francisco em julho de 2021. Não ficou claro, para os jornalistas presentes, que tipo de alterações seriam feitas a esse ponto, mas apenas que “o Papa já havia sido informado desta questão”.