A Senhora mais brilhante do que o Sol

Cada um ao seu modo, tem como missão ser as mãos de Deus que cuidam de todos. Foto © Sofia Távora
A Mãe de Jesus é, provavelmente, das figuras que criam maiores clivagens entre cristãos. Para uns é relegada à condição de mera progenitora do filho de Deus, para outros é venerada e elevada ao estado de Imaculada.
Quem é afinal Maria de Nazaré, a escolhida por Deus para encarnar a nossa humanidade? Os Evangelhos referem-na poucas vezes. Esse silêncio dá mais espaço à nossa criatividade e até a um certo empossamento da Mãe de Jesus. Em torno da sua figura construímos aquilo a que poderíamos chamar “questões fraturantes” entre cristãos. Mais importante que dogmas e divergências é atendermos à figura de Maria. Quem é que ela é, ou pode ser, para nós?
Nas poucas vezes em que é referida ou lhe é dada voz, há sempre uma densidade que nos interroga, e isso, por si só, já é uma forma de diálogo com Deus. Na Anunciação, Maria assustou-se, questionou quem seria aquele interlocutor e apresentou-lhe as suas dúvidas. O “sim” não foi imediato nem irrefletido, e isso muda por completo as coisas. O cenário mais floreado deixa de ser adequado, há um ato de confiança e dúvida- poderíamos duvidar de alguém em quem não confiamos? – seguido de um questionamento partilhado, e depois, sim, a entrega. A humanidade de Nossa Senhora manifesta-se com singular beleza na corrida ao encontro da sua prima Isabel, mais velha e experiente, que também se encontra grávida. Com ela partilha a alegria e o espanto pelo sucedido que se tornou na oração do Magnificat, hino de alegria e confiança que poderíamos reaprender a rezar.
Mais adiante, surge a aflição com o “desaparecimento” do Filho encontrado naquela que Ele afirmou ser a casa de Seu Pai. Este acontecimento surge como um retrato do crescimento de Jesus ao aperceber-se da Sua condição de Filho de Deus. De forma intrigante o Evangelho diz que Maria guardava todas estas palavras e as meditava, o retrato de uma mulher introspetiva que questionava os acontecimentos. Tal como terá sido para Cristo, também Nossa Senhora teve de fazer a sua própria peregrinação até perceber que Jesus é Deus e qual seria o seu papel no acompanhamento da missão do Filho.
Com uma certa ousadia, poderíamos atrever-nos a dizer que também a família de Nazaré terá tido momentos turbulentos. É excessivamente doloroso para nós pensar que Jesus possa ter-se sentido incompreendido pela sua mãe ou mesmo condicionado no caminho que tinha para prosseguir. Bem como é duro imaginar a angústia de Maria perante as perseguições que o filho sofreu e a inimaginável dor, somente compreendida por quem perdeu um filho, de o ver ser crucificado; e ainda, no Calvário, procurar consolar a Mãe e confiá-la ao cuidado do seu discípulo mais querido ao mesmo tempo que a investiu da sua missão de tomar por filho aquele discípulo e, com ele, todos nós. Cristo e Nossa Senhora, da anunciação até ao Calvário caminharam juntos na procura da vocação que Deus Pai lhes confiara. Não será essa a ligação que idealizamos construir com os nossos pais? Há uma ligação visceral construída por dores e consolos enlaçadas no núcleo do amor que os unia. O próprio Deus precisou de colo, de afeto, quis ser filho. A omnipotência divina revela-se na humildade de se querer fazer próximo da nossa humanidade em tudo o que a compõe.
No passado dia 13, celebrámos de forma inédita o início das aparições na Cova da Iria aos três pastores: Lúcia, Francisco e Jacinta. A descrição que consta dos relatos é de “uma Senhora mais brilhante que o Sol”. O brilho de Nossa Senhora é de uma intensidade que nos pode servir de espelho e guia. Espelho onde identificamos Aquela cuja humanidade foi escolhida para acolher Deus na encarnação. Escolhendo-a como guia poderemos também descobrir e fazer cumprir a missão que nos foi confiada de encarnar Deus. Cada um ao seu modo, com a sua matéria-prima tem como missão ser as mãos de Deus que cuidam de todos. Essa é uma das formas de fazer operar a Providência Divina, ser, não um instrumento inerte, mas membro do corpo místico de Cristo. Cada pessoa, na sua singularidade, é escolhida para dar o seu contributo para a abundância e plenitude da vida daqueles com quem se cruza. Significando este mandamento, de forma muito concreta, em sentir-se responsável pelo bem de cada pessoa, estar atento aos ínfimos pormenores da vida do dia-a-dia pelo meio dos quais podemos fazer o bem e o belo.
Sofia Távora é estudante de Direito e voluntária no Serviço de Assistência Espiritual e Religiosa do Hospital Dona Estefânia.
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