
Letras de Sophia. Foto: Direitos reservados.
Retomo a poesia de Sophia que pintei no ano passado para um projeto da Galeria Ratton, evocativo do centenário da poeta.
Nestes tempos de aconselhado distanciamento físico tenho tido alguma dificuldade, como muitos de nós, de encontrar as palavras certas para dizer o que vivo e o que nos está a acontecer. A poesia ajuda-me a reencontrar-me e a dialogar com o incompreensível.
Volto aos livros.
Encontro, sinalizado por mim para uma exposição que realizei em 2003, este poema da Sophia:
A Casa Térrea
Que a arte não se torne para ti a compensação daquilo que não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre
Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre montanha e mar
Construirás – como se diz – a casa térrea –
Construirás a partir do fundamento.
(Sophia de Mello Breyner Andresen, O nome das coisas, 1977)
É com especial emoção que volto a ele.
Este poema tem sido na minha vida como um “guia”, sempre a chamar-me para construir “a partir do fundamento” a minha casa / a minha vida. É desta casa / vida que queríamos aberta para ser local de encontro, que sabemos, por agora, ter um futuro adiado.
Mas bem pior que eu e a minha família são os que já em situação de pobreza ou perto dela ficam sem emprego, sem casa e sem abraços.
Tenho Esperança de que quando sairmos desta pandemia ganhemos mais noção da partilha real dos meios e dos dons que temos.
Que os princípios do respeito e igualdade e responsabilidade sejam a base da nossa educação e que a Igreja deixe de querer mandar na vida das pessoas e seja mais uma companheira atenta.
Mas voltemos às palavras.
Apesar de sentirmos a garganta “apertada” para as palavras, o coração até parece que salta mais dentro de nós.
Escrevia no meu Diário destes últimos meses:
“Grande parte do interesse que se tem na vida muito relacionado com o contato físico está suspenso. Sucedem-se notícias de gente próxima ou nem tanto com diversos tipos de sofrimento e sentimo-nos fracos.”
Nesta procura em que sinto os meus gestos acorrentados, recordo a festa que há um ano, em setembro de 2019, “tomou” a Rua da Páscoa onde mora o meu atelier, numa ocasião de partilha entre vizinhos e amigos.

Rua da Páscoa, partilha entre vizinhos e amigos. Foto © Ana Cordovil (2019)
Sei, de certeza segura, que havemos de voltar a Festejar sem distanciamento social, num tempo que terá futuro!
Ana Cordovil é pintora