
Escrever poemas é uma forma de tentar curar as feridas para Vian, que esteve quatro anos em cativeiro. Foto © Amnistia Internacional/Fat Rat Films.
Vian é um dos cerca de 12 mil yazidis cujas vidas mudaram gravemente com o terrorismo do autodenominado Estado Islâmico: raptado e levado em 2014, quando tinha 13 anos, conseguiu fugir em 2018, com a ajuda de contrabandistas.
Poucos anos depois dos acontecimentos, as feridas permanecem muito abertas. Uma das coisas que lhe vale é a amizade com Barzan. No cativeiro, Vian contou-lhe da sua tristeza, Barzan contou a dele. “Foi assim que nos tornámos amigos. Como irmãos”, recorda agora Vian, no documentário de 12 minutos Captives on the Frontlines: Yezidi former child soldiers who survived ISIS (“Prisioneiros na linha da frente: ex-crianças-soldado yazidis que sobreviveram ao EI”) e que conta precisamente o modo como essa amizade ajudou e ajuda os dois a sobreviver.
“Este filme capta os desafios que os jovens yazidis que serviram como crianças-soldado ainda enfrentam, e também as amizades que floresceram nas circunstâncias mais difíceis”, afirma Nicolette Waldman, investigadora sobre crianças e conflitos armados na equipa de Resposta a Crises da Amnistia Internacional, organização que patrocinou o documentário.
Outra forma de tentar curar as feridas – Vian continua sem saber o que aconteceu aos pais –, é, quando se sente triste, escrever poemas. Num deles, fala da entidade divina invocada pelos yazidis e da sua cidade, Sinjar, na planície de Nínive (Norte do Iraque):
“Não importa quantas vezes nos matem e nos levem para longe das nossas mães e irmãs/ Continuaremos a dizer Hul Hula Tawsi Malaka / Mas os nossos olhos não são como antes/ a casa não está só na escuridão,/ mas também a sua escuridão não se manifesta./ Só se mostra com a cor vermelha, com sangue. / Oh Sinjar, Sinjar.”
Na curta-metragem, Barzan e Vian contam as vicissitudes a que foram sujeitos: instruídos pelo grupo terrorista, eram forçados a combater e a fazer tudo o que lhes era ordenado, sob pena de serem mortos. Apesar de manifestarem exteriormente que se tinham “convertido”, os raptores não se convenceram e colocaram-nos na prisão, onde eram torturados e espancados. “Quando me lembro fico triste…”, confessa Vian.
A imagem da mãe está tauada no braço: “O ISIS levou-ma e eu quero ficar com imagem dela para sempre”, diz… A guerra roubou-lhes a infância, acrescenta, e apesar de continuar a considerar-se uma pessoa forte, Vian admite que não vê futuro para si no Iraque.
Três mil ainda desaparecidos

“Através da decisão corajosa de partilhar as suas próprias histórias de maneira tão aberta, Vian e Barzan consciencializaram e trouxeram uma luz sobre os desafios que permanecem para as antigas crianças-soldado yazidis.” Foto © Aministia Internacional/Fat Rat Films.
Calcula-se que tenha havido pelo menos três mil yazidis mortos e seis mil raptados. Três mil continuam desaparecidos e, além dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade de que o grupo terrorista foi acusado, a ONU considera-o culpado de genocídio de grupo minoritário.
Muitos dos sobreviventes ficaram com deficiências físicas, tais como braços ou pernas perdidas, além de sérios problemas na sua saúde mental, como stresse pós-traumático, ansiedade ou depressão. Muitos foram incapazes de se reintegrar no sistema de ensino.
“Estes jovens yazidis que foram crianças-soldado são rotineiramente estigmatizados, o que significa que as suas experiências angustiantes são frequentemente ocultadas”, diz Nicolette Waldman. “Através da decisão corajosa de partilhar as suas próprias histórias de maneira tão aberta, Vian e Barzan consciencializaram e trouxeram uma luz sobre os desafios que permanecem para as antigas crianças-soldado yazidis. Muitos destes jovens, tendo sofrido traumas inimagináveis, continuam a ter graves problemas de saúde física e mental”, sublinha.
A responsável da Amnistia Internacional acrescenta, num comunicado da organização enviado ao 7MARGENS a propósito do filme: “Até à data, muitos sobreviventes yazidis ainda não receberam apoio adequado à sua saúde física e mental, ou à sua educação. De facto, muitos não receberam nenhum tipo de apoio desde que regressaram às suas comunidades.”
O documentário foi realizado em colaboração com a produtora Fat Rat Films, a propósito do Dia Internacional contra o Uso de Crianças- Soldado, que se assinala neste sábado, 12 de Fevereiro.
“As autoridades iraquianas, os seus parceiros internacionais e as Nações Unidas devem garantir que as antigas crianças-soldado yazidis usufruem de pleno acesso às reparações e assistência a que têm direito à luz da Lei dos Sobreviventes Yazidi, de 2021”, diz também a responsável da Amnistia. “Devem ainda cooperar em conjunto para estabelecer um Plano de Ação Nacional que obrigue a que todas as atuais e antigas crianças-soldado no Iraque, incluindo rapazes e jovens yazidis, sejam reintegradas na sociedade e lhes seja providenciado apoio coordenado, especializado e a longo prazo.”
Em Julho de 2020, a Amnistia Internacional publicara já um relatório onde documentava a crise de saúde física e mental enfrentada pelas crianças yazidis que tinham regressado às suas famílias após terem estado reféns do grupo terrorista. O relatório Legado de Terror: A Situação das Crianças Yazidis sobreviventes do EI, também referia a necessidade urgente de pôr fim à separação forçada de mulheres yazidis e das suas crianças nascidas da violência sexual por membros do autodesignado Estado Islâmico, recorda a organização.
O documentário pode ser visto a seguir: