
Apresentação dos três primeiros meses de trabalho da Comissão de Investigação dos Abusos Sexuais na Igreja. Foto © Agência Ecclesia/HM
Segundo a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais (CIEAS) na Igreja Católica, em Portugal, a maioria dos bispos está empenhada em que se conclua a investigação em curso. Parece que apenas cinco ainda não se disponibilizaram a cooperar com a CIEAS.
A comissão “faz um balanço positivo do caminho já percorrido, considera que é importante prosseguir o trabalho ‘juntos pela verdade’ e diz ser necessário distinguir“, de forma cuidada e séria, a árvore da floresta”, mantendo uma “relação aberta e de confiança mútua com a CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) e todos os elementos da Igreja Católica em Portugal” para que o estudo permita ter um mais profundo conhecimento da situação.”
Felicito os bispos pelo discernimento assertivo que demonstraram ao constituir esta comissão, pelas pessoas escolhidas e por lhes terem confiado uma missão que, ao contrário, do que alguns possam ainda pensar, dará maior credibilidade à Igreja.
Se se criassem obstáculos à procura da verdade sobre procedimentos tão abjetos, não seria nada propício ao dever que a Igreja tem de defender o princípio estruturante da sua missão e de fazer com que ninguém se sinta dispensado desta obrigação. Refiro-me ao respeito pela dignidade do ser humano em todas as fases e circunstâncias da vida terrena. Também não seria justo que, intermitentemente, continuassem a surgir, nos media, casos isolados com o risco de não terem consistência verídica, atirando, assim, para a “lama social” gente inocente. As mensagens que, sobre este grave problema, se têm feito passar podem induzir um público com menor literacia a culpar todo o clero católico deste flagelo da pedofilia. Isso seria uma enormíssima injustiça. Importa, por isso, “separar o trigo do joio”. É isso que julgo ser a finalidade da decisão dos bispos e um dos objetivos da CIEAS, para além de procurarem os métodos mais adequados para se repararem, no que for ainda possível, os traumas que persistem em afligir a vida das vítimas. Também é importante não abandonar à sua sorte os que vierem a ser condenados por terem cometido tão hediondos crimes.
Pessoalmente, arrisco também a dizer que será o sentir dos restantes subscritores da petição feita por quase três centenas de católicas e católicos, para que se constituísse esta Comissão; estou cada vez mais convencido que tomámos a atitude certa. Acima de tudo, por causa das vítimas, depois, pelo bom nome da Igreja a que nos honramos de pertencer e, ainda, para que os bispos sentissem que uma parte do laicado estava com eles nesta dolorosa, mas incontornável decisão. Sei que a tomada de posição deste punhado de leigos e leigas incomodou alguma gente. Houve, até, quem fosse para um jornal católico difamar os subscritores sem nunca, que se saiba, ter sido chamado à responsabilidade pelo ato vergonhoso que cometeu. O ministério sacerdotal é de tão grande exigência que deveriam ser os próprios padres a zelarem pela integridade da sua missão, em vez de apoiarem quem torna o seu ministério num mero funcionalismo religioso, mesmo que lhe atribua dotes sacros. Proliferam atitudes e narrativas que, fique bem claro, em termos éticos, nada se assemelham à pedofilia, mas são a negação de compromissos assumidos para lhes ser concedido o ministério que exercem. Esses procedimentos deveriam ter adequadas formas de responsabilização. As punições canónicas não podem ser imediatamente aplicadas só aos leigos que, vítimas de matrimónios falhados, ficam impedidos de reorganizarem as suas vidas, sob pena de serem afastados de alguns dos sacramentos.
Felicito também os membros da CIEAS pelo empenho, competência, rigor, serenidade e transparência que têm demonstrado. Que consigam manter o sigilo até ao julgamento cível, sempre que o caso o exija, para que não se assassinem, socialmente, inocentes.
As faltas de credibilidade da Igreja são várias e de muitas naturezas. Não há cristão católico que, ao longo destes mais de dois milénios, possa dizer nunca ter contribuído para macular a Igreja. Sinceramente, eu poderei ter já contribuído e porventura voltar a contribuir para que a Igreja seja sinal negativo de contradição, mesmo que me esforce por não o fazer. Mesmo assim, pode parecer estranho, mas quero, afirmar veementemente, que desejo todo o bem à Igreja e nela quero continuar até ter a graça de entrar na plenitude do Reino de Deus. Também acredito, firmemente, que ela consegue sempre ultrapassar todas as suas incoerências por ter com ela Cristo Ressuscitado, mesmo que passe pela podridão e negritude dos sepulcros que cava dentro dela.
Por isso, é inútil que se escondam os seus pecados dentro desses “sepulcros”: sempre chegará a hora em que a verdade surgirá e essas tumbas se esvaziarão com a força libertadora do Ressuscitado.
Eugénio Fonseca é presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado