
Imagem de apresentação do filme no site Festa do Cinema Italiano.
Ainda no rescaldo da presença luminosa e iluminadora do papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, no passado mês de Agosto, fui ver o filme A Viagem do Papa Francisco. E recomendo-o vivamente, para não se perder a chama, o entusiasmo, quero dizer. O sonho, diz o Papa.
Já sabemos que não se trata propriamente de um filme – não é ficção – mas de um documentário organizado fundamentalmente a partir de imagens de arquivo das 37 viagens do papa Francisco por 53 países, em nove anos do seu pontificado. Mas é muito mais do que um trabalho jornalístico de recolha de elementos, é como que uma meditação – contemplação – serena sobre as grandes propostas que o Papa Francisco foi deixando em todos esses lugares e situações que visitou. Não como turista, mas como peregrino. E peregrino do Evangelho.
“Qual foi a génese deste documentário?
Quando tomei consciência que (o Papa) tinha feito uma trintena de viagens através do mundo, tive a ideia de um documentário, assim como um travelling que desenha um mapa da condição humana, como uma via-sacra contemporânea. Eu não fui educado na religião católica e não tenho fé, ainda que acredite na espiritualidade.
O meu desafio foi portanto o de fazer um retrato do Papa sem ideologia nem teologia. Queria fazer um filme sobre um homem. Como Pasolini fez de Jesus uma figura humana, quando realizou o Evangelho segundo São Mateus.” (La Vie, 12/12/2022)
É essa a atitude do realizador, que também passou por muitos desses lugares, com um olhar de revelação, e só pode ser essa a atitude do espectador: deixar-se interpelar pelas imagens e palavras e olhares que lhe são oferecidos. Afinal, foi esse o primeiro desafio, em Lampedusa, primeira viagem: “A globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar”.
Como escreveu o La Repubblica (lido no Courrier internacional, de 14 de Dezembro de 2022): “Gianfranco Rosi observa o papa que olha o mundo. É como se Rosi quisesse estabelecer um paralelo entre as missões do soberano pontífice e o seu trabalho de cineasta auto-enviado aos teatros mais dramáticos do mundo moderno”.
Como acontece nos documentários, o verdadeiramente decisivo para prender a atenção e manter o ritmo, é a montagem, a arte da montagem que é como que uma reescrita do material escolhido. E deve dizer-se que A Viagem do papa Francisco é uma obra-prima no que diz respeito à montagem. Volto ao Courrier internacional citado: “Do diálogo entre as imagens brotam surpresas que são outras tantas pepitas. Os não-ditos das palavras e das imagens separam-se para depois se entrelaçarem com uma força tão subtil quanto intensa. No desenrolar das suas voltas e reviravoltas. A Viagem do Papa Francisco torna-se um filme sobre o confronto entre um lado da fé que anima um homem e os seus fiéis e o lado de uma história que não para de se repetir e parece impedir, a cada instante, com sucesso, toda a forma de justiça e de igualdade”.
“Que imagem conserva do papa no final do seu trabalho?
É um Papa que é capaz de falar, com toda a franqueza, a todas as pessoas, crentes e não crentes, muçulmanos, hindus… Quando me encontrei com ele, disse-lhe que não era crente e ele respondeu-me que isso não era um problema. O filme começa com a ideia de sonho. E o papa Francisco tem um sonho: pôr fim às guerras”. (La Vie, 12/12/2022)
Cabe-nos então continuar a viagem de Francisco e o seu sonho, como ele repetiu em Lisboa e já diz no filme: “Sonhem com um mundo que ainda não se vê, mas que decerto chegará”.
Título original: In Viaggio
Realizador: Gianfranco Rosi
Argumento: Gianfranco Rosi
Fotografia: Gianfranco Rosi, Cesare Cuppone, Walter Capriotti (filmagens dos arquivos do Vaticano)
Documentário, 80 min., 2022, Itália.
Manuel Mendes é padre católico e pároco de Esmoriz (Ovar). Este texto foi publicado originalmente na revista Mensageiro de Santo António.