A vida por inteiro, uma ode ao amor de Deus

| 30 Nov 2022

Árvore

“Deus ajudar-nos-á a restaurar a memória em nós, a boa memória, a memória justa, limpando e varrendo os restos da nossa maldade, para que fique só a paz.” Foto © Fabrice Villard/Unsplash

 

 

É difícil descortinar Deus na vida toda: a que nos agrada e a que não nos agrada, a que nos edifica e a que nos abate, a que entendemos e a que nos lança na escuridão. Todos os dias vivemos muitos momentos que nos atiram para tudo isso, e só não percebemos estas nuances se não as quisermos ver.

É fácil encontrarmos Deus quando a vida corre bem: tudo encaixa, os nossos talentos estão à vista e vão crescendo, somos reconhecidos, acordamos com vontade para novos dias, que vão ser cheios de coisas boas, previsíveis nas suas causas e nos seus efeitos.

Vem o tempo (sempre vem o tempo) em que nada encaixa, em que os nossos talentos não estão à vista nem vão crescendo, em que não somos reconhecidos, em que não acordamos com vontade para novos dias, que pressentimos não irem estar cheios de coisas boas, nada previsíveis nas suas causas e nos seus efeitos.

Apossa-se de nós um sentimento de rejeição. A aparente rejeição de pessoas e das circunstâncias faz-nos ser invadidos pela certeza de rejeição de Deus. Deus não nos ama. Deus carrega-nos com fardos impossíveis de suportar. Deus não está connosco.

Deixando-nos tomar por estes sentimentos, deixamos de nos amar a nós mesmos e à vida toda à nossa volta. Rejeitando as nossas circunstâncias, rejeitamo-nos a nós e a toda a criação envolvida. Passamos a viver em sobrecarga, em contramão, num enorme cansaço sem aparente fim à vista, a não ser talvez a via das ruturas.

Normalmente (e não por acaso) este processo inicia-se exatamente nesse lugar onde somos mais chamados a amar: a família. A família torna-se uma carga demasiado pesada, onde o ambiente de rejeição dói de forma mais terrível e aparentemente mais irremediável: “Que feridas são estas nas tuas mãos? Dirá ele: São feridas com que fui ferido em casa dos meus amigos.” (Zac.13,6)

Quando negamos qualquer parcela da nossa realidade, viramos as costas a Deus e entramos numa espiral de desamor connosco mesmos. O amor de Deus implica que recebamos tudo na nossa vida de coração aberto, aceitando tudo de nós nesse gesto, incluindo a repulsa pelo momento que estamos a viver.

A condição para percebermos Deus em nós e na vida toda, sobretudo naquela que nos repugna, é fazê-Lo vivê-la connosco, a Ele que nos pôs na situação e está a confiar-nos esse valente legado.

Com o nosso coração em fuga não é possível darmos este salto, mas ele é evidentemente necessário para nos colocarmos no lugar certo da nossa existência: a sintonia com Deus, que se faz presente quando aceitamos tudo de nós e não negamos nada da nossa vida, antes conseguimos recebê-la através dos Seus olhos cheios de bondade.

Pode não ser fácil esse salto, porque levamos uma memória manchada pelos nossos maus olhares interiores, pelas nossas más vibrações e por um acumulado de argumentos tristes e vazios de sentido e de amor. Levamos a memória cheia dos argumentos da rejeição. Uma tristeza, essa tristeza que nos invade.

Deus ajudar-nos-á a restaurar a memória em nós, a boa memória, a memória justa, limpando e varrendo os restos da nossa maldade, para que fique só a paz. A paz de Deus que nos permite perceber e acreditar que Ele está em toda a nossa vida, mesmo (ou sobretudo) naquela em que Ele parece rejeitar-nos, a que pede de nós o que, se não for Ele, nós não saberemos receber.

Faz-se então real em nós a experiência de S. Paulo: “O Senhor disse-me: Basta-te a minha graça, porque o meu poder manifesta-se na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte.” (2Cor 12, 9,10)

A espera de Deus que os cristãos estão agora a viver revela-nos especialmente este drama humano, que é sempre uma escolha divina: fora da zona de conforto, fora até da zona da dignidade e sem qualquer apoio humano. Tudo o que é preciso são corações disponíveis para se deixarem tomar pelo amor de Deus em qualquer circunstância, recebendo totalmente o que a vida (Deus) lhes apresenta. E fazendo dessa vida a boa memória, a memória eterna, que tem as suas raízes no coração de Deus.

 

Dina Matos Ferreira é consultora e docente universitária. Contacto: dina.matosferreira@gmail.com

 

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