Abiy Ahmed Ali, o Nobel da Paz para um cristão pentecostal

Ecrãs num jardim de luz para anunciar o Nobel da Paz de 2019, o primeiro-mnistro etíope Abiy Ahmed Ali. Foto Sabine Rønsen (WMNO) /Wikimedia Commons
Por tentar, desde há menos de dois anos, promover a paz entre a Etiópia (o seu país) e a Eritreia, por tentar pacificar o seu país através de amnistias a adversários políticos e acabando com a censura aos meios de comunicação e por tentar aumentar a importância das mulheres no país, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, receberá nesta terça-feira o Nobel da Paz de 2019, numa cerimónia em Oslo. O Comité Nobel não o disse, mas várias das atitudes e propostas do mais jovem líder da África, com 43 anos, radicam na sua fé cristã de matriz pentecostal.
E não é só a nível político que se notam os esforços de reconciliação do mais recente laureado com o Nobel da Paz. O primeiro-ministro ajudou também à aproximação entre duas correntes da Igreja Ortodoxa Etíope, divididas por razões políticas, desde 1991. No país, os cristãos ortodoxos são, mesmo, o maior grupo religioso do país (com perto de 50% da população), à frente de 34% de muçulmanos e 19% de cristãos protestantes – os católicos são menos de um por cvento, mesmo assim respeitados, pelo seu apoio aos mais pobres, como refere o Catholic Herald.
O Christianity Today recordou recentemente que Ahmed Ali iniciara já também, ainda antes de ser primeiro-ministro, um processo de reconciliação entre muçulmanos e cristãos na sua cidade natal de Beshasha.
Assim que tomou posse como primeiro-ministro, o agora Nobel começou a reunir com o patriarca Abuna Matias, da Etiópia, para tentar acabar com a zanga de três décadas, como noticiou, já em Julho de 2018, a Rede de Média Ortodoxos OCP.
Filho de pai muçulmano e mãe ortodoxa, Abiy Ahmed acabou por se tornar protestante pentecostal – um pentay, como são designados. E a sua fé cristã tem sido determinante na procura incessante pela paz. Numa cerimónia de graduação de estudantes de medicina, o primeiro-ministro convidou-os a usar “ideias e não armas” e a olhar para o exemplo de um país como o Japão, que recuperou da II Guerra Mundial para construir uma economia desenvolvida – relatou a BBC.
“A energia, a paixão e a certeza” de um “pregador revivalista”
A mesma fonte reproduz também o testemunho de uma pequena agricultora que vive na zona de fronteira com a Eritreia. Elsa Tesfaye perdeu um irmão na guerra entre os dois países – uma das 80 mil vítimas da guerra cujo fim já permitiu retomar viagens e telecomunicações entre os dois países – e por isso agradece ao primeiro-ministro ter trazido a paz ao país. A BBC caracteriza-o como “um cristão pentecostal devoto”, com “a energia, a paixão e a certeza” próprias de um “pregador revivalista”.
Elsa Tesfaye manifesta-se também preocupada com as divisões étnicas do seu país – dividido entre os oromo (com cerca de 34% da população), os amhara (27%), somali e tigrayan (6% cada) e várias outras pequenas tribos – e com o facto de o seu filho poder prosseguir os estudos de engenharia em outros sítio do país. “[As reformas] são óptimas. Mas ainda é preciso algum trabalho. Se o conflito étnico e o ódio forem ultrapassados, eu ficaria satisfeita”, diz, ainda citada pela BBC.
O pentecostalismo adoptado por Abiy Ahmed Ali abrangia, há 50 anos, um por cento dos etíopes. Ouvido pelo Catholic Herald, Andrew DeCort, do Instituto para o Cristianismo e o Bem Comum, explica o desta corrente cristã com “a característica sedutora do pentecostalismo”, a ideia “de que nada é impossível”.
Alistair Jones, padre dominicano, acrescenta: “Para muitos africanos, desesperados por progresso, o pentecostalismo representa a modernidade e a possibilidade de fazer a mudança acontecer. É difícil não ver uma relação entre isso e as palavras e acções” de Abiy. “A sua fé anima a sua política. Mesmo quando ele fala, soa um pouco como um pregador. A nova geração de pentays dá a impressão de encarar o mundo moderno de frente e de enfrentar o desafio. Pode-see discordar da teologia deles, mas há algo aqui com que os católicos podem aprender.”
“Este prémio é para a Etiópia e o continente africano”
Membro da Igreja dos Crentes do Evangelho Pleno, o primeiro-ministro afirmou, quando assumiu o cargo: “Temos um país dotado de grandes dons e riquezas, mas está faminto de amor.” E, quando há dois meses foi anunciado o Nobel, ele escreveu na rede social Twitter: “Sinto-me humilde perante a decisão do Comité Nobel da Noruega. A minha mais profunda gratidão a todos os que estão comprometidos e a trabalhar pela paz.” E acrescentava, citado ainda pelo Christianity Today: “Este prémio é para a Etiópia e o continente africano. Vamos prosperar em paz!”
Claro que, até agora, Abiy Ahmed Ali apenas pôs em marcha as reformas iniciais e um processo de pacificação nacional e com a Eritreia. Muito está ainda por fazer e concretizar. Um dos desafios maiores é conseguir evitar qualquer retrocesso em o recurso à violência ou ao poder autoritário, como tem acontecido no país, nas últimas décadas. Outro será o de conseguir manter o impulso das reformas até às eleições do próximo ano.
Há quem diga que a distinção do Nobel foi cedo demais, que o primeiro-ministro conseguiu muito pouco e que a sua governação não está isenta de críticas. Mas o Comité Nobel parecia ter a resposta também para essas reservas, quando anunciou a sua decisão: “Mesmo que ainda haja muito trabalho, Abiy Ahmed iniciou reformas importantes que dão a muitos cidadãos a esperança de uma vida melhor e de um futuro melhor.”
Ahmed é o 24º africano a ser distinguido com o Nobel da Paz. Em 2018, Denis Mukwege, médico cristão que se tem dedicado à cura de vítimas de violação na República Democrática do Congo, foi um dos vencedores.