
Vigília de oração pelas vítimas de abusos sexuais na Igreja, promovida por católicos nos Jerónimos no dia 22 de Fevereiro 2023 (Quarta-feira de Cinzas). Foto © António Marujo/7Margens
A indignação dos amigos e conhecidos do P. Mário Rui Pedras, de Lisboa, a propósito do afastamento a que ele foi obrigado pode compreender-se. O que de todo já não se compreende nem se pode aceitar é que se mobilizem para apontar o dedo à Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa (CI). De facto, esta apenas forneceu elementos. Quem os julgou suficientes para afastar o P. Mário Rui foi a Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis do Patriarcado de Lisboa, desde o início presidida pelo bispo Américo Aguiar.
De facto, se alguém agiu mal neste processo não foi a Comissão Independente, foi a Comissão do Patriarcado e o próprio patriarca. Não é justo, como faz José Luís Ramos Pinheiro (JLRP), gerente da Rádio Renascença, em artigo publicado na sexta-feira, no seguimento de outras posições vindas a público, aproveitar a decisão da Comissão do Patriarcado e do próprio cardeal-patriarca para atacar a CI. Esta não afastou nenhum padre da diocese de Lisboa. Quem validou os elementos dela recebidos foram estruturas e pessoas responsáveis da Igreja. Não vale tentar tapar o horror que existe dentro das nossas portas com a peneira dos ataques ao relatório apresentado pela Comissão Independente.
O ataque de JLRP – que aproveita para acusar a CI de não ter realizado um estudo credível e justo – baseia-se numa subtil, mas inaceitável, troca dos termos do que está em causa: não foi esta que tornou público nenhum nome dos suspeitos de abusos, foi a Igreja portuguesa que validou tais suspeitas e afastou aqueles que, refletidamente, avaliou ter razões suficientes e ponderosas para o fazer. Rebele-se, pois, JLRP e outros amigos do P. Mário Rui, contra o patriarca de Lisboa e a Comissão que a tal o aconselhou. E recordem-se que, quer D. Manuel Clemente quer o bispo Américo Aguiar responderam à pressão pública no sentido de tomarem medidas consequentes e rápidas pedindo tempo para analisar em profundidade os dados recebidos (pelas minhas contas dispuseram de cerca de duas semanas).
Procurando – é o que o gerente da RR visa – abalar a credibilidade do relatório da Comissão Independente, interroga-se JLRP: “Como se valida um único testemunho anónimo sobre uma pessoa e se consegue ter a certeza de que estamos na presença de um forte indício criminal e não perante um qualquer tipo de vingança, perseguição ou delírio?” A pergunta é dirigida ao Patriarcado de Lisboa? Não! É dirigida à CI, imediatamente crucificada de forma lapidar: “Numa matéria com esta delicadeza, não é possível manter opacidades sobre métodos, critérios e extrapolações decididas e utilizadas pela Comissão Independente”. Chegámos ao que queríamos: descredibilizar todo o trabalho feito pela Comissão, venha a propósito ou a despropósito.
A CI não precisa de quem a defenda. Em França, o relatório de uma similar Comissão foi sujeito a “crítica” de igual quilate. Com essas tentativas de descrédito procurou-se: 1) não reconhecer a gravidade sistémica dos abusos sexuais contra menores (embora os mais terríveis, estes são apenas uma parte dos abusos graves no interior da Igreja Católica); 2) manter a clericalização da vida da Igreja, rejeitando a sinodalidade proposta pelo Papa Francisco de forma a não pôr em causa encobrimentos e outros comportamentos próprios de um poder que se coloca acima de tudo e todos, se reclama do secretismo e da total impunidade.
Uma última nota, pessoal: conheço o P. Mário Rui Pedras. É pessoa por quem nutro simpatia e respeito. Como todos, só por ele soube que tinha sido afastado. E apenas por ele tomei conhecimento da acusação que o Patriarcado validou como suficiente para exigir o seu afastamento. Não sei mais nada. Não conheço sequer o nome de dois dos padres também preventivamente afastados. Claro que sei o sofrimento que esta situação comporta para ele Confio que a verdade será apurada e a justiça será feita. Mas a opinião que neste editorial defendo não é sobre este caso em concreto. É sobre o comportamento eclesial que os católicos devem assumir se, na verdade, querem “afastar e punir os verdadeiros agressores, sejam eles quem forem, independentemente do que pensam ou daquilo que representam”. Eu quero. E quero mais: quero que a minha Igreja se reforme de modo a ser um lugar seguro em que todos possam livremente experimentar a alegria do Evangelho e caminhar juntos no serviço às crianças, mulheres e homens do nosso tempo.