Percebe-se hoje que boa parte da atrapalhação de D. José Ornelas na apresentação das conclusões da reunião plenária da Conferência Episcopal Portuguesa da passada sexta-feira, dia 3 de março, provinha do facto de estar a defender ideias que não são suas e procedimentos com que não concorda. Contudo, os esclarecimentos dados e, sobretudo, as ações empreendidas por alguns bispos (ainda que minoritários em número) demostram as dissensões havidas e qual é, afinal, o caminho a seguir. Mas mantêm o silêncio sobre o que vão os bispos fazer para irem mais além da casuística e enfrentarem a raiz do escândalo dos abusos sexuais.
A suspensão de funções de alguns sacerdotes pelos respetivos bispos é um sinal importante dado às vítimas, aos restantes abusadores, a toda a comunidade católica e à sociedade portuguesa. Esperamos que o rigor dos subsequentes processos não permita defraudar a expectativa agora criada em vários círculos, especialmente naqueles e naquelas abusados e abusadas quando menores. Todos sabemos quanto é difícil a produção de prova nestes casos. Mas, em qualquer caso, a todos assiste o direito a defender-se e ser defendido.
Porém, talvez não seja, de momento, este último o aspeto mais importante. No terrível e tristíssimo tempo que os católicos deste país vivem urge responder a cinco questões prementes: como vamos disponibilizar realmente a reparação possível e todo o apoio (incluindo indemnizações) às vítimas que o solicitarem?; como conseguir que os bispos negacionistas (nomeadamente no Porto e em Lisboa), saiam dessa posição e tratem de suspender quem devem suspender?; como exigir a identificação clara dos encobridores (ninguém acredita que pelo menos alguns dos crimes agora conhecidos não fossem do conhecimento de terceiros)?; os bispos vão ou não criar uma nova comissão independente que acompanhe a concretização dos compromissos que vierem a assumir? que disposições vão traçar para aprofundar o longo caminho de erradicação do clericalismo na Igreja?
Como refere o Papa Francisco na sua Carta ao Povo de Deus de 20 de agosto de 2018, “dizer ‘não’ aos abusos (seja de poder, de consciência, qualquer abuso) significa dizer com força ‘não’ a qualquer forma de clericalismo”, esse clericalismo que o Papa tem repetidamente sublinhado ser a raiz, a origem, a “perversão” de onde provêm a sensação de poder sem controlo nem fronteiras, o sentimento de impunidade e a ideia de uma superioridade que coloca o padre acima dos demais.
Mas Francisco vai mais longe nessa Carta e sublinha que “tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso nas nossas comunidades, sem a participação ativa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista”.
O Papa escreveu tudo isto (e bastante mais) há quatro anos. Que esperam os bispos portugueses para o pôr em prática? Que planos concretos, que calendário de ações vão divulgar para combater a causa dos abusos na Igreja Católica que está em Portugal? Como vão envolver nessa árdua tarefa as comunidades, os padres, os religiosos e os católicos em geral, suscitando a “participação ativa de todos os membros da Igreja”? Porque se recusam a dar aqueles passos que podem tornar a Igreja um lugar seguro, atraente, capaz de acolher e caminhar com todos e neles reconhecer a presença do Ressuscitado em que acredita?
O tempo para a tomada destas decisões está a esgotar-se. Termina, definitivamente, a 20 de abril, último dia da próxima reunião da assembleia plenária da Conferência Episcopal.