
As redes sociais são espaço onde o ódio cresce rapidamente. Foto © Josh Withers | Unsplash
A quantidade de indignação detectável a olho nu no espaço público é sempre imensa. É, todavia, amiúde, uma indignação suscitada por faits divers divulgados ou amplificados, precisamente, por terem um significativo potencial de indignação. Aquilo que fomentar sentimentos extremados contribui para fazer medrar o vício pelos ecrãs ou, dito de outro modo, o poderoso negócio que assenta na mobilização da atenção, traduzida, no caso das redes sociais, em visualizações, comentários e classificações.
“Está a gerar indignação nas redes sociais”, dizem, a propósito de uma irrelevância qualquer, os velhos meios de comunicação social, desejosos de, através dessa frase-isco, poderem, também eles, atrair a atenção. Há programas televisivos com um olho no público e outro nas redes sociais. E, no entanto, quando se diz “está a gerar indignação nas redes sociais” (ou “a indignação tornou-se viral”), dever-se-ia dizer, para se ser mais exacto, que algo está a fazer com que o negócio do Facebook, do Instagram ou do Twitter prospere.
Para accionar uma indignação tudo serve, mas é quase sempre imprescindível que haja alguém que possa ser desancado. É, pois, requerido um protagonista, um putativo verdugo, contra o qual o mau humor se possa mobilizar. Os famosos são o alvo mais apetecível, mas os anónimos não ficam excluídos. De resto, o anónimo abominado acabará por se tornar conhecido.
Se o objecto da indignação for particularmente adequado, a indignação manter-se-á durante um período assaz significativo. Durante dias, a todas as horas, uma personagem será massacrada no espaço público por causa de uma frase estúpida, de um gesto infeliz ou de uma acção imponderada. Depois, cairão no esquecimento, temporário ou definitivo.
O problema com certas indignações é serem tão-só epidérmicas. As irritações vão-se sucedendo de modo superficial. Sem consequências úteis, transformam-se em ódio com demasiada facilidade e esse ódio auto-satisfaz-se. O ressentimento que unicamente instiga o cinismo não gera seja o que for de benéfico. Nada muda, nada melhora. Cada agastamento faz esquecer o agastamento anterior. Todos vão desaparecendo sem deixar qualquer rasto cívico. Quem se indigna com tudo não se importa com nada.
A circunstância de certas indignações assentarem em má informação ou em desinformação é outro problema. Não raras vezes, as pessoas zangam-se sem razão plausível, porque entenderam mal uma notícia, porque interpretaram erradamente um título, porque viram uma imagem retirada do contexto espacial ou temporal. Ou até porque a própria notícia, título ou imagem induziram em erro – quanta informação não é simplesmente atiçamento? Um pequeno acréscimo de informação seria imprescindível para o esclarecimento cabal de um assunto, mas iria extirpar-lhe ou reduzir-lhe o incitamento emotivo. Todos os dias surgem histórias insuficientemente contadas. Não por acaso. O que se perde em entendimento ganha-se em indignação, engodo infalível para manter a atenção.
Procurar saber como são ao certo as coisas, estar devidamente informado, ter um olhar crítico, saber distinguir o insignificante do importante, não ser cínico, pode fazer diminuir o número de indignações quotidianas, mas logrará ser útil se se quiser reflectir sobre o que, de facto, deve incomodar, se se desejar identificar que causas colectivas devem, realmente, ser mobilizadoras.