
À medida que os trabalhos sinodais desta etapa continental europeia avançam, os delegados e convidados começam a sublinhar o valor da experiência vivida e a vincar o papel da metodologia da “conversação espiritual”. Foto © Sínodo 2024.
De repente, a assembleia sinodal da Europa, que tem decorrido em Praga com cerca de 200 participantes, passou a dar visibilidade aos restantes 260 que, através de videoconferência, estiveram também a participar nestes dias. E os contributos que deram reforçaram aspetos já salientados, mas também trouxeram pistas novas. Esta quinta-feira, 9 de fevereiro, será o dia de acolher a proposta de documento conclusivo e de o debater em sessão plenária.
À medida que os trabalhos sinodais desta etapa continental europeia avançam, os delegados e convidados começam a sublinhar o valor da experiência vivida e a vincar o papel da metodologia da “conversação espiritual”, que estruturou e inspirou o percurso. Discretamente, por detrás dessa metodologia, está a figura de Mauricio López Oropeza, um latino-americano que participou na organização do Sínodo da Amazónia, é secretário executivo da Conferencia Eclesial da Amazónia, membro do dicastério romano para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral e coordenador da task force do Sínodo sobre a Sinodalidade. É, além disso, membro de uma Comunidade de Vida Cristã (CVX) e foi presidente da rede mundial de CVX.
A via da “conversação espiritual”

Nesta quarta-feira, Oropeza explicitava aquilo que, de algum modo, já tinha delineado, no primeiro dia dos trabalhos: o caminho que foi sendo feito partiu do “eu” – o que cada uma das delegações e participantes fez, trouxe e partilhou; passando por um “tu” – que é a atenção ao que os outros trouxeram e partilharam; até chegar a um “nós” – o que encontraram, todos, nesse processo de escuta, que acharam dever ser enunciado e aprofundado, e que eventualmente entendem ser de levar para uma etapa posterior (neste caso, do processo sinodal).
Os grupos pequenos, diversificados linguística e culturalmente, são tempos fundamentais, tal como a partilha em sessão plenária. Em ambos os casos, antes, durante e no fim, há tempos de respiração, de oração, de espaço para ressonância interior do que está a ser partilhado. Esta assembleia sinodal foi uma “profunda experiência deste modo de avançar sinodalmente”, como foi reconhecido em múltiplas intervenções.
Para os jornalistas que cobrem este tipo de acontecimentos, sobretudo quando acompanham à distância, torna-se complicado dar conta da multiplicidade de aspetos processuais e de conteúdo que fazem uma assembleia como a de Praga. Tanto mais que, para as línguas menos acessíveis, só havia tradução simultânea para quem se encontrava a participar presencialmente. Assim, além da vertente metodológica referida, cabe destacar alguns pontos necessariamente seletivos, que se foram destacando.
O tópico que nesta quarta-feira foi múltiplas vezes sublinhado – como tensão e como prioridade – foi o da diversidade de experiências, de contextos e de realidades da vida da Igreja e o modo de esta lidar com tal dimensão.
Valorizou-se a busca da unidade e da comunhão, mas, também, que unidade não é uniformidade e, pelo contrário, se enriquece das diferenças. O próprio Papa Francisco tem valorizado este aspeto ao comparar a Igreja a uma orquestra, em que a sinfonia decorre de uma pluralidade de instrumentos e de sons, “uma sinfonia de vozes na caridade”.
Essa diversidade decorre, desde logo, do tipo de sociedades complexas que conhecemos, nomeadamente, na Europa. Mas também do ponto de vista religioso, a diversidade existe e é valorizada. Finalmente, no interior da própria Igreja Católica, existem tradições, rituais, modos de fazer diferentes.
Ainda assim, como se referiu, a cultura da uniformidade continua a ser poderosa. Um dos grupos linguísticos franceses que apresentou os resultados do seu trabalho pediu que este assunto fosse objeto de reflexão no Sínodo. Segundo ele, importa considerar a possibilidade de respostas diferenciadas perante realidades e sensibilidades diversas. Porque hão de estar todos a fazer as coisas exatamente do mesmo modo ou ao mesmo ritmo, quando as realidades e os contextos das igrejas locais e mesmo diocesanas são diversos?, perguntou-se.
Silêncios e resistências à mudança

Subjacente a este contributo está a sugestão de um caminho para enfrentar tensões e divergências em matérias que não são de fundo e que se relacionam com um outro aspeto que, segundo um grupo francês, também carece de atenção: refletir sobre os medos daqueles que resistem às mudanças de que a Igreja precisa.
Entre as expressões desse medo, foram nomeados o medo de “pôr em causa a doutrina”; o medo de, no processo de mudança, a Igreja ver a sua identidade e natureza diluírem-se; e até “o medo da própria sinodalidade”, que se está a desenhar como o novo modo de ser Igreja no século XXI.
“Para avançarmos juntos no caminho sinodal, não deveríamos trabalhar sobre estes medos e estas resistências à mudança?”, perguntava o grupo.
Duas intervenções de portugueses na assembleia sinodal europeia focaram aspetos menos presentes, seja no DEC – documento de referência da etapa continental “Alarga o espaço da tua tenda” – seja na participação na dinâmica do Sínodo.
No primeiro caso, Isabel Gil, reitora da Universidade Católica Portuguesa, que interveio na qualidade de presidente da Federação Internacional das Universidades Católicas, alertou para a insuficiente importância que o DEC atribui à educação, entendida como “um motor necessário da transformação que se pretende”. A académica explicou a chamada de atenção, observando que a instauração de uma nova cultura nas estruturas e práticas da Igreja, preconizada no documento de referência, “não ocorre da noite para o dia, e as decisões de cima para baixo provavelmente serão recebidas com desconfiança e resistência”.
Essa transformação ou “conversão cultural” deve ser vivida, aceite e deve ser preparada, requerendo “uma renovação educativa, que pode ocorrer em três níveis: uma preparação teológica dos leigos para poderem desempenhar um espectro mais diversificado de funções nas estruturas eclesiais; uma formação sistemática do povo de Deus para articular os desafios trazidos pela mudança da paisagem social, política e cultural com a escritura e a tradição; uma renovação radical da formação e educação do clero no espírito da Veritatis Gaudium”.
A “conversão coletiva e institucional” de que o sínodo constitui oportunidade passa, segundo Isabel Gil, por “repensar a formação pastoral como educação verdadeiramente integral, com orientação transversal e transdisciplinar, superando abordagens monodisciplinares e trazendo para o currículo abordagens que lidam com os problemas sociais da época”. Isto sugere, acrescenta, “articular uma teologia do espírito com uma teologia da experiência, levando em consideração, tal como Jesus fez, a realidade sombria das comunidades que os novos pastores devem acompanhar.
Carmo Rodeia, representante da comissão sinodal criada pela Conferência Episcopal Portuguesa, subiu de novo à tribuna para alertar para a falta de jovens na sala. “Onde é que estão os jovens europeus?”, interrogou. Recordando o Sínodo dos jovens em 2018 e a nota de que estes não são meramente o futuro da Igreja, mas já o seu presente, e aludindo a uma experiência que disse estar a ocorrer na diocese de Lisboa, no âmbito da preparação para a Jornada Mundial da Juventude, em que os jovens partilham entre si o entusiasmo do encontro com Jesus, deixou a pergunta: “Quem melhor do que os próprios jovens para evangelizar os jovens?”.
Uma Assembleia Eclesial da Europa?

Na parte final dos trabalhos desta quarta-feira, um convidado representante da Justiça e Paz Europa, rede que agrega 30 comissões nacionais Justiça e Paz, subiu à tribuna e surpreendeu os participantes com uma proposta: atendendo à experiência inédita que foi vivida em Praga, nesta assembleia sinodal continental, juntando representantes das igrejas nacionais (leigos, religiosos, presbíteros e bispos) e de algumas dezenas de instituições católicas e ecuménicas de âmbito europeu, propôs que fosse instituída uma Assembleia Eclesial da Europa, com caráter permanente.
Esse representante tomou como exemplo o caso da Assembleia Eclesial da América Latina e Caraíbas, nascida com o apoio do Papa Francisco, no seguimento da conferência e do documento da Senhora Aparecida, que realizou em 2021 o seu encontro de caráter continental, tendo mobilizado todas as igrejas nacionais, movimentos e institutos religiosos, num processo que foi sinodal no modo de realização, ainda que não oficialmente um sínodo.
Sugeriu ainda que, caso a proposta avance, essa Assembleia possa ser instituída já em 2025, ano do Jubileu, em que, terminado o Sínodo sobre a Sinodalidade, a Igreja e os cristãos são chamados a ser “peregrinos da esperança”.
Nesta quinta-feira, o comité de redação da assembleia sinodal europeia apresentará o documento conclusivo, que será debatido em sessão plenária. Na quarta-feira, no final dos trabalhos, os seis membros que a compõem vieram ao plenário dar conta do modo como trabalharam até este momento, apresentando a estrutura do documento. Ficou claro que a conceção e conteúdo resulta de tudo o que se passou na assembleia, em todos os seus momentos, não havendo, por conseguinte, qualquer tipo de documento pré-preparado. De resto, foi sublinhado que o grupo de redatores não se conhecia entre si. Foi igualmente afirmado que um processo deste tipo foi ele próprio um processo sinodal e não uma tarefa de tipo técnico-redatorial.