
António Juliasse, bispo de Pemba, pede um gesto para recordar as mais de 1350 pessoas mortas em Palma, em 2021. Foto © Eduardo Jorge Madureira
O ataque terrorista à vila de Palma, no norte da província de Cabo Delgado, em Março de 2021, terá provocado mais de 1350 mortos e não apenas algumas dezenas, como as autoridades afirmavam, segundo revela agora uma investigação de um jornalista norte-americano, citada pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).
O bispo António Juliasse, da diocese católica de Pemba, comentou estas informações dizendo que, a confirmarem-se aqueles números, “houve um massacre” e o Governo de Moçambique deveria decretar “luto nacional”.
De acordo com estes novos dados, o ataque terrorista à vila de Palma em 24 de Março de 2021 provocou um verdadeiro massacre com 1357 mortos. Estes números contrariam a versão oficial que apontava, desde a primeira hora, para apenas algumas dezenas de vítimas, foram divulgados recentemente pelo jornalista norte-americano Alex Perry, que conduziu durante os últimos meses uma investigação sobre esse ataque.
O bispo de Pemba reagiu já a esta informação e na sexta-feira, dia 9, durante a homilia da missa de encerramento da formação permanente dos missionários, na capela da Universidade Católica, pediu que as autoridades venham a decretar luto nacional para que a população possa chorar e homenagear os seus mortos. “Se os dados não são refutáveis, então nós tivemos aqui em Cabo Delgado um massacre que ninguém mencionou antes. Somadas as outras mortes desta guerra, são milhares de famílias a quem não se prestou condolências”, afirmou, de acordo com uma mensagem enviada neste domingo, 11, pela Diocese de Pemba para a Fundação AIS em Lisboa.
O bispo de Pemba, que é também presidente da Comissão Episcopal de Justiça e Paz, de Moçambique, afirmou ainda esperar que o Governo se pronuncie sobre a investigação do jornalista norte-americano. “Espero que o Governo se dê ao trabalho de confirmar os dados divulgados, faça o reconhecimento público do sucedido e, se aplicável, decrete simbolicamente um momento de luto nacional para que os moçambicanos chorem por outros moçambicanos barbaramente massacrados em Palma.” E acrescentou: “Deve-se criar esta memória colectiva de forte repúdio a actos deste tipo. Entendemos todos que Palma é Moçambique e os que foram massacrados são maioritariamente moçambicanos.”
A informação que a Diocese de Pemba enviou para a Fundação AIS esclarece ainda que, segundo o relatório publicado por Perry, “o Governo e a Total Energies omitiram os dados” referentes à verdadeira dimensão do ataque.
Dados omitidos e negociações

A informação sobre o ataque a Palma ocorre numa altura em que a Igreja tem manifestado empenho num eventual processo de negociações que ponha fim à violência terrorista em Moçambique. O padre Eduardo Roca, que lidera em Pemba o Centro Inter-Religioso para a Paz, dizia há dias que a Igreja Católica tem assumido um papel discreto, mas convicto, nesta matéria.
Na segunda quinzena de Julho e nos meses de Agosto e Setembro estão já agendados encontros em Palma – onde alegadamente ocorreu o massacre –, Mocímboa da Praia e Macomia, com cerca de meia centena de lideranças religiosas de organizações muçulmanas e cristãs. Em cima da mesa está a divulgação do Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz, assinado em Abu Dabhi pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã de Al-Azhar.
Os ataques terroristas que têm espalhado medo e morte em Moçambique, nomeadamente nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula tiveram início em Outubro de 2017. Até ao momento, já terão morrido – segundo dados oficiais – cerca de quatro mil pessoas havendo ainda mais de um milhão de deslocados. No entanto, estes dados terão agora de ser revistos em alta, a ser verdade a informação divulgada pelo bispo.
A Fundação AIS tem apoiado a Igreja Católica em Moçambique com projectos de assistência pastoral e apoio psicossocial, fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da guerra.