
“Quis a princesa Gilda que nevasse no Algarve e os árabes embelezaram os campos com flores de amendoeira.”
Quis a princesa Gilda que nevasse no Algarve e os árabes embelezaram os campos com flores de amendoeira.
O céu ao fundo, espelhava a suave transparência da casa dos peixes plantados por Deus.
Depois os peixes e as amêndoas encheram as alfaias nos caminhos da sobrevivência. Os séculos, sempre os séculos pendurados nas asas das andorinhas.
Mar e campo em abraço apertado, pesca e agricultura, gente e caminhos de terra por percorrer. Os nascentes e os poentes a colorir a vastidão diante do olhar da esperança.
Nevou no Algarve, como Gilda quis. Mas, como tudo o resto que acontece no Algarve, fez-se neve sem frio sob doce fragrância; manto branco florido e desaguado em licor.
Hoje essa neve sufoca por entre o cimento dos cifrões e o Algarve afoga-se, sem socorro, em mar próprio.
A transparência espelhada do silêncio partiu com a memória de quem já se despede também; deixaram-nos as luzes a encadear as tonturas e o barulho a ofender o pensamento.
Deixaram-nos um título com sabor a derrota de orgulho ferido, deixaram-nos sem a cama e o sono onde a rotina nos devolve à familia, ao amor, ao que somos.
Tornou-se dura, a herança, e as alfaias estão vazias; o mar é histérico e os barcos não pescam; os burros extinguem-se e os amores como os de Gilda e Albundim escasseiam no coração do povo.
Ana Sofia Brito começou a trabalhar aos 16 anos em teatro e espetáculos de rua; Depois de dois anos na Universidade de Coimbra estudou teatro, teatro físico e circo em Barcelona, Lisboa e Rio de Janeiro, onde actualmente estuda Letras. Autora dos livros “Em breve, meu amor” e ” O Homem do trator”.