
Peregrinação de 13 Outubro 2021, ainda com limitação de entradas: desde 2020, o “ano mais difícil da história da instituição”, que o santuário de Fátima tem vivido ““situações ímpares, nunca antes” experimentadas. Foto © António Marujo
O antigo reitor do Santuário de Fátima, padre Luciano Guerra, criticou fortemente nesta quinta-feira, 22 de Dezembro, o que considera uma gestão cujo “fito primário mais explícito são os intelectuais”, que “não deixa espaço para a dedicação aos pobres”. Em comunicado divulgado ao final da tarde, e enviado ao 7MARGENS, os actuais responsáveis reagem contestando as críticas, devolvendo várias delas, dizendo que elas resultam de “uma leitura pessoal” que traduz um “alheamento do que é hoje o Santuário (…) que carece de fundamentação e revela um profundo desconhecimento da actual gestão (…) e dos desafios com que se confronta”.
Numa entrevista à edição semanal do Jornal de Leiria, monsenhor Guerra, que foi reitor entre 1973 e 2008, diz que a sua prioridade eram “os peregrinos em geral, os quais podem considerar-se pobres, a classificação humana que mais convém aos filhos de Deus”. Mas hoje isso não acontece, considera: “Prevalece a intelectualidade e a arte. Em plano secundário fica a grande massa de peregrinos, gente simples pobre e humilde”.
Nesta linha, Luciano Guerra critica a “esplendorosa celebração do centenário” dos acontecimentos de Fátima, em 2017. “Houve muita música e outras manifestações artísticas. Fazem-se ainda hoje exposições maravilhosas, mas que a meu ver ficam demasiado caras e, até por isso, de resultado pastoral menos evidente. O peregrino que vem a Fátima não precisa senão de um ambiente de oração.”
Afirmações que revelam “uma grande contradição”, diz o comunicado divulgado pelo Santuário, “entre aquela que foi a ousadia do então reitor, monsenhor Luciano Guerra, que durante 35 anos nunca deixou que o Santuário cristalizasse na sua acção pastoral e procurou que fosse sempre evoluindo, mas que agora manifesta total oposição a toda a evolução verificada desde 2008”.
O comunicado acrescenta ainda outros dados: “O mesmo se pode dizer da pretensa ‘intelectualização’ da pastoral do Santuário”: Luciano Guerra, recorda o documento, “foi um homem de cultura, que convidou alguns dos mais reputados artistas nacionais, e até internacionais, a interpretar a mensagem e a materializá-la em obras de arte e iniciou os congressos internacionais que reuniram na Cova da Iria grande parte dos teólogos pensadores da contemporaneidade. O Santuário não esquece e valoriza este seu precioso contributo.”
“Um padre é um padre”

Ainda sobre os gastos, a resposta ao antigo reitor devolve várias das críticas, recordando que a gestão de Luciano Guerra foi também objecto de muitos reparos, nomeadamente por causa da construção de estruturas como a actual Basílica da Santíssima Trindade: a política de investimentos do seu tempo “passou sobretudo pela construção de grandes espaços celebrativos” e consome agora “grande parte dos recursos orçamentais”, devido à necessidade de os administrar, manter e conservar, defendem os actuais responsáveis.
Na entrevista, o antigo reitor contesta ainda o que serão os salários altos pagos actualmente no Santuário: “Um padre é um padre”, diz. “Não pode, de maneira nenhuma, comparar-se a um administrador de uma empresa, mesmo que os leigos que o sacerdote dirige recebam salário superior.”
Na mesma linha, acrescenta: “Houve trabalhadores que praticamente foram expulsos, a vários outros (…) teve a instituição de pagar altas indemnizações; outros saíram e calaram-se, com receio de retaliações. Quase de rompante, foram admitidos mais de 130 novos funcionários, numa casa que tinha 210. Houve uma série de pessoas que foram empurradas para sair.”
Afirmação errada, responde o comunicado: hoje é necessária uma “gestão profissional, adaptada às exigências de hoje, sempre comprometida com o bem comum e com a dimensão social” e que “nunca deixou de cumprir qualquer obrigação, desde logo com os seus funcionários”. As contas estão equilibradas e os despedimentos não o foram, antes se tratou de uma adaptação do “quadro de pessoal às necessidades pastorais resultantes de um novo contexto, que obrigou a uma redução muito significativa da atividade em 2020, que se prolongou ainda durante o ano de 2021 e que só este ano de 2022” começou a ser retomada.
Referindo-se às “situações ímpares, nunca antes vividas” e ao “ano mais difícil da história da instituição”, que foi 2020, o comunicado destaca que, das 57 desvinculações registadas, 16 foram revogações de contrato por mútuo acordo, iniciativa do próprio trabalhador; 20 foram cessações de contrato no seu termo, dos quais nove eram estudantes; houve ainda 17 rescisões por iniciativa do trabalhador e quatro aposentações por velhice.
Nas suas críticas, o antigo reitor Luciano Guerra considera que se impõe “um enorme esforço de purificação do Santuário, no sentido de o fazer voltar-se para o público de peregrinos, que pode ser considerado de pobres.”
Os responsáveis pelo maior centro católico do país dizem que o Santuário continua a dar apoios sociais, “incrementando e intensificando o apoio material a quem dele mais precisava e à Igreja em geral”.
Depois de ter deixado o cargo, Luciano Guerra foi substituído pelo então padre Virgílio Antunes. Em 2011, quando este foi nomeado para bispo de Coimbra, sucedeu-lhe o actual reitor, padre Carlos Cabecinhas.