
Padre António Sousa, presidente da Cáritas Diocesana de Coimbra entre 1982 e 2005. “Pode-se ou não concordar com tudo o que ele fez, mas tem de se reconhecer que marcou uma época da Cáritas em Portugal”. Foto: Direitos reservados.
O padre António Sousa foi presidente da Cáritas Diocesana de Coimbra entre os anos de 1982 e 2005. Conheci-o quando comecei a participar nos conselhos gerais da Cáritas Portuguesa, como representante da Cáritas Diocesana de Setúbal. Era das pessoas mais interventivas, sempre muito incomodado com o panorama social do país e com a pastoral social da Igreja em Portugal.
Era rara a reunião em que não levasse uma iniciativa que tinha lançado ou estava a preparar para responder a uma necessidade social ou educativa da sua diocese. Fazia-se acompanhar de uma leiga e de um leigo que se percebia serem os responsáveis da parte dos equipamentos e da pastoral, respetivamente. Bem cedo percebi que era a Cáritas diocesana que mais se distinguia de todas as outras, mas só mais tarde, quando fui chamado a colaborar com a Cáritas Portuguesa, tomei consciência das reais dimensões da Cáritas Diocesana de Coimbra.
Ele esteve presidente da Cáritas conimbricense mais uns seis anos e eu na Cáritas Portuguesa. Com a sua maneira de ser, nunca deixou de me chamar a atenção sempre que lhe parecia que algo ia pelo caminho menos correto. Instava-me sobre determinados problemas cujas soluções não dependiam de mim, mas fê-lo sempre com muita cordialidade.
Apesar de nem sempre concordar com as suas opções, sempre nutri um grande respeito pelo padre Sousa pela sua grande experiência de trabalho na Cáritas. Porque tinha na Cáritas de Setúbal a preocupação de conciliar a gestão dos equipamentos sociais com a ação pastoral, ou seja, a animação da caridade ao nível das paróquias, intrigava-me como era isso possível acontecer na Cáritas de Coimbra, dada a dimensão do número de equipamentos e valências sociais e educativas. Já tinha percebido que era Carlos Neves o responsável pela dinamização deste setor, mas foi na Cáritas Portuguesa, com a ajuda do Neves, que entendi que o padre Sousa, embora muito embrenhado nos equipamentos, não descurava a dimensão pastoral.
Em abono da verdade, nunca me questionou sobre problemas que teria com os seus equipamentos, mas sim com questões de ordem pastoral como: a formação dos seminaristas e a atualização teológica e pastoral do clero não incluírem a pastoral social; a criação de grupos paroquiais de ação social e caritativa, como estruturas próprias para a caridade comunitária e, nessa medida, organizada, e a formação dos elementos que os compõem; a responsabilidade de cada bispo diocesano na organização da Pastoral Social; a capacitação dos agentes da pastoral social e da especialização técnica dos serviços prestados pela Igreja.
O Neves foi o seu homem de confiança na execução da programação que, em cada ano pastoral, se fazia. Disso eu fui testemunha. Impulsionado pelo padre Sousa, ele deslocava-se muitas noites às paróquias para dinamizar os chamados “cursos de formação de grupos”, “cursos de animadores” e “cursos de Pastoral Social”. Lembro-me de ver os programas destes cursos onde não faltavam fundamentos bíblico-eclesiais, finalidades, âmbitos, missão, tarefas da ação.
A nível diocesano, havia uma assembleia para a qual eram convidados todos os membros dos grupos sociocaritativos e outros organismos da ação social da Igreja, sempre com um convidado que abordava um tema numa parte do dia. Lembro-me de ter sido a primeira Cáritas a ter criado “campos de trabalho” (julgo que era assim que se chamavam), no verão, com o objetivo de promover a formação de jovens para a ação nas comunidades. Isso fez com que, na Igreja de Coimbra, surgissem alguns grupos juvenis de ação social da Igreja.
A última vez que estive com o padre Sousa foi há uns cinco anos. Teve a gentileza de ir ao meu encontro ao local onde eu iria fazer uma das Conferências Quaresmais da paróquia de São José, em Coimbra. Soube da sua morte quando já tinham sido realizadas as exéquias. Como não tive a oportunidade de, nessa ocasião, manifestar o meu reconhecimento pela ação que desenvolveu em favor, preferencialmente, dos últimos da Diocese de Coimbra, faço-o desta forma.
Pode-se ou não concordar com tudo o que ele fez, mas tem de se reconhecer que o padre Sousa marcou uma época da Cáritas em Portugal. Isso não poderá ser desvalorizado nem esquecido. E sabe-se que quem não tem memória, não tem futuro.