[Crónicas da Guiné – 3]

Ao encontro do islão na Guiné-Bissau

| 17 Dez 2022

islão, Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau

Malamcambai, bibliotecário do Centro Islâmico: o islão é uma “uma religião de paz, que não permite abusar do outro, não permite roubar”. Foto © José Alves Jana. 

 

O animismo era a forma religiosa dominante na Guiné-Bissau, até finais do século XX. O século XXI tem trazido uma onda de adesões ao islão. A voz do muezim pela madrugada ou as prostrações em oração na rua têm uma afirmação crescente no ambiente urbano. Segundo o último censo, perto de 50% da população declara-se muçulmana. O animismo ainda tem a adesão de cerca de 30% e o cristianismo cerca de 20%, incluídas as várias igrejas cristãs. Impunha-se, portanto, procurar a Mesquita Central de Bissau ou Grande Mesquita de Bissau.

Uma recolha de sangue promovida pela Comunidade Nacional da Juventude Islâmica no Centro Islâmico de Bissau proporcionou o primeiro encontro. Malamcambai, de 27 anos, responsável pela biblioteca do Centro Escolar Attadamun, fez o acolhimento. Explicou que o complexo ou Centro Islâmico em que nos encontrávamos é formado pela Mesquita Attadamun e pelo Centro Escolar Attadamun. O ambiente é o de um oásis na cidade: ordem, limpeza, sossego, bom gosto.

“Attadamun” significa solidariedade, explica Malamcambai. A recolha de sangue, como a que ali tinha lugar, organizada em conjugação com as autoridades de saúde, é uma forma de solidariedade. O nosso informador acentua o caráter pacífico do islão, “uma religião de paz, que não permite abusar do outro, não permite roubar, nem obriga ninguém a entrar, mas, apesar disso, todos os dias entram pessoas no islão”. E afirma a cooperação com as outras religiões. “A grande diferença é que os muçulmanos adoram o Deus único”, o que significa a defesa intransigente do monoteísmo. “Qual é o país que pode ter dois presidentes da república? Não pode. Por isso mesmo afirmamos que Deus é único.” Não foge à existência de forças violentas que se definem como islâmicas, por exemplo o Boko Haram, que tanta presença tem nas proximidades do país. “Não é a religião que os manda fazer isso, é a sua política”, afirma.

islão, Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau

A Mesquita Attadamun, no Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau. Foto © José Alves Jana.

 

A mesquita é, por natureza, o local privilegiado de culto ao “único Deus [Alá, em árabe], tal como se revelou ao profeta Maomé. Dirigido por um dos dois imames cinco vezes por dia, tem como momento principal a oração da sexta-feira. É uma das cerca de 150 mesquitas de Bissau, a que devemos somar mais uma centena no interior do país. Iniciada a construção em 1989, foi inaugurada em 2000, com capacidade para 5.000 fiéis. É a maior e mais nobre mesquita do país, sendo também conhecida como Mesquita Central Nacional.

O centro escolar é um lugar de formação de cerca de 2.000 jovens, da 5ª classe ao 12º ano. Segue o programa oficial, completando-o com o ensino do árabe e da cultura islâmica. Além das aulas (25 salas, cerca de 80 professores), são promovidos intercâmbios com outras escolas do interior, concursos, jogos interescolares e viagens académicas. A sua biblioteca, diz-nos Malamcambai, é frequentada por cerca de 30% dos alunos, sobretudo à procura de obras que tenham a ver com as matérias de estudo. Além de obras de caráter religioso, que o próprio Centro Islâmico edita e disponibiliza, a biblioteca tem obras “relativas a outras religiões, como a católica, pois somos um povo de convivência, uma religião de paz”. E ainda obras de apoio às várias matérias do currículo escolar, apesar de o bibliotecário reconhecer a falta, por exemplo, de gramáticas e dicionários.

 

Juventude Islâmica da Guiné-Bissau

islão, Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau

Jovens à entrada do Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau. Foto © José Alves Jana

 

Se os jovens são o futuro e a Guiné-Bissau é um país jovem do ponto de vista demográfico, a Juventude Islâmica da Guiné-Bissau, sedeada no Centro Islâmico de Bissau, era de encontro obrigatório. Caramba Baió, de 34 anos, é o presidente da Comunidade Nacional da Juventude Islâmica. Segundo ele, foi “uma ideia dos jovens”, organizarem-se para “dar o contributo da camada juvenil” à sociedade e “contrariar a ideia” de que a entrada no islão é só para os mais velhos. Foi criada em 2000 e “começou por ser presidida por uma mulher, que teve logo um grande dinamismo”. Mais tarde, o projeto “perdeu um pouco a dinâmica” e, por isso, os atuais dirigentes candidataram-se “para relançar a organização, tanto a nível nacional como internacional” e tomaram posse em 2017. Uma das características da nova equipa é serem novos e terem qualificação académica superior. Querem afirmar “a importância das várias ciências para a compreensão da sociedade e mesmo da religião como parte da vida”. Para isso, reuniram uma equipa com formação diversificada, em gestão, teologia (islâmica), direito, enfermagem.

A Juventude Islâmica tem associados, mas procura implicar, com cerca de uma centena de ativistas, toda a camada juvenil, sobretudo nas atividades escolares – em todo o país, onde tem delegações regionais. Procura sensibilizar para os problemas das crianças, participa de várias organizações oficiais e da sociedade civil, além de participar também em organizações internacionais, como a Rede da África Ocidental, de luta contra o tráfico e contrabando de imigração, com sede na Nigéria, e a Organização de Cooperação Islâmica, de que é fundador do respetivo ramo da juventude.

islão, Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau

Caramba Baió e Mussa Buaró, responsáveis da Comunidade Nacional da Juventude Islâmica, no Centro Islâmico de Bissau. Foto © José Alves Jana

 

Mussa Buaró é o vice-presidente e teólogo. Além das suas funções na Juventude Islâmica, é também vice-presidente do centro escolar e o professor de língua árabe e cultura islâmica. Como teólogo, aspira a tornar-se, no futuro, um imame, isto é, o orientador do culto e pregador da fé islâmica de uma mesquita. Sobre a sua qualificação teológica, diz que “não há um curso específico”. Quem faz essa opção, procura “aprofundar o conhecimento do Alcorão, dos ensinamentos do Profeta e da jurisprudência islâmica”. Como “o imame de uma mesquita é indigitado pela sua comunidade”, ele deve “merecer a confiança da sua comunidade”. Cada mesquita tem a sua comunidade e é independente das outras mesquitas. Não há, portanto, uma verdadeira estrutura ou organização nacional da comunidade islâmica. A mesquita, além de local de culto, procura “orientar a comunidade islâmica para os verdadeiros princípios”.

Ambos os nossos interlocutores reconhecem que há na Guiné-Bissau uma relação “fantástica” com as outras religiões. “Tivemos sorte: o país tem um mosaico étnico muito interligado. Não há uma família que não tenha membros de outras etnias.” Daí, dão a entender, vem este espírito de abertura ao diferente. “Convivemos com base nas nossas diferenças, sobretudo entre as juventudes” das várias confissões, por exemplo católicas e evangélicas. Têm atividades conjuntas, participam com outras confissões em vários organismos. “Somos amigos, agradecemos isso a Alá.”

islão, Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau

Jovens à entrada do Centro Islâmico de Bissau, Guiné-Bissau. Foto © José Alves Jana

 

Um dos problemas da Guiné-Bissau é o fanado, ou a circuncisão, que nas mulheres implica a mutilação genital feminina. É uma prática tradicional que muitos afirmam ter por base a fé islâmica e outros dizem que lhe é alheia. O nosso teólogo é a pessoa indicada para nos dar a posição desta comunidade sobre esta “prática nefasta”. Reconhece que o Profeta “deu orientação, não para abandonar, mas para serem mais cautelosos” nesta matéria. Fica assim implícito que é uma tradição que vem de mais longe. A posição que adoptam é simples: “o Estado guineense já proibiu tais práticas, ensinamos que os crentes devem obedecer ao Estado, não vamos mais longe que isso” de modo formal. Nestas coisas da tradição, “a mudança é um processo, não pode ser brusca ou brutal, o que poderia levar a um retrocesso”.

Malamcambai, que está presente à conversa, pede para intervir. A comunidade islâmica “não debate o assunto, aconselha a seguir o que o Estado decidiu, não se coloca contra”. E trabalha, por exemplo no Instituto da Mulher e da Criança, criado pelo Governo, para ajudar a tornar eficaz a política definida neste domínio. E vai mais longe: “Há várias práticas nefastas, não é só essa, o toca choro (cerimónias em honra dos defuntos) em que se abatem animais em frente das crianças, enterrar os mortos em locais não apropriados, enfim tudo o que põe em causa a causa a saúde das pessoas”. Como quem diz, há muito a fazer, mas estamos a trabalhar nisso.

 

José Alves Jana é doutorado em filosofia, professor aposentado, voluntário e dirigente associativo. Contacto: jalvesjana@gmail.com

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