
Cardeal Charles Maung Bo, de Myanmar, apela à paz depois de mais um massacre
O brutal massacre de 38 pessoas na vila de Mo So, no estado de Kaya, levado a cabo na véspera de Natal pelas tropas da Junta que governa Mianmar (Birmânia) levou o cardeal Charles Maung Bo, arcebispo de Rangum, a divulgar no dia 26 de dezembro um apelo ao Governo e às forças da oposição para que ponham termo à violência e iniciem um diálogo pacífico.
“Apelo aos militares para que parem de bombardear e matar. Apelo ao movimento pela democracia e aos grupos étnicos armados para que se empenhem seriamente num diálogo pela paz” afirmou o Cardeal Bo, citado pelo jornal digital Crux no dia 27 de dezembro.
Também o Vatican News no mesmo dia refere as palavras do cardeal: “Toda a nossa amada Mianmar é agora uma zona de guerra.”
Condenando “totalmente e sem reservas” o massacre, como “uma atrocidade dolorosa e horrível” e um “ato indescritível e desprezível de barbárie desumana”, o cardeal lamenta: “Enquanto muitos de nós celebramos a luz e a vinda do Príncipe da Paz, outros tantos em Mianmar suportam a escuridão da morte e da destruição.”
Desde o golpe militar que derrubou a 1 de fevereiro o Governo eleito, liderado pela Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, mais de 1.300 pessoas foram mortas e mais de 11.000 foram presas pelos militares. À violência da tropa têm-se oposto as “Forças de Defesa do Povo” que surgiram um pouco por todo o país encabeçando a resistência armada. As operações militares visando as populações civis têm sido particularmente intensas e violentas em regiões predominantemente cristãs habitadas pelos Kayah, Chin e Kachin, em que aldeias inteiras e igrejas e edifícios ligadas às várias denominações cristãs têm sido bombardeados, invadidos e saqueados. Padres e pastores foram presos, enquanto muitos civis cristãos desarmados foram mortos.
A junta militar mantém Aung San Suu Kyi detida em parte incerta, o que não impediu de a apresentarem a um tribunal onde foi sumariamente julgada e condenada a quatro anos de prisão [ver 7MARGENS].
Os militares anunciaram na altura (5 de dezembro) que outras 11 acusações impendem sobre a Nobel da Paz, o que levou vários observadores ligados aos direitos humanos a considerarem que a Junta pretende condená-la a prisão perpétua.
Cardeal alvo de críticas
Dia 23 de dezembro, o cardeal Bo convidou o presidente da Junta Militar no poder, o general Min Aung Hlaing, a visitá-lo. Recebeu-o juntamente com os seus dois bispos auxiliares e deixou-se fotografar cortando com ele um bolo de Natal. O presidente da Junta Militar divulgou, na ocasião, que doara 11.000 dólares americanos ao cardeal para fundos da igreja.
O encontro gerou indignação entre a comunidade católica, tendo a organização Católicos Independentes pela Justiça em Mianmar condenado o encontro, afirmando, de acordo com notícia da UCA News, que tal encontro “ignorou o sofrimento das pessoas que a Junta oprime e mata, bem como os bombardeamentos de igrejas” e que esse ato “não representa toda a comunidade católica do país, pois teve lugar contra a vontade da maioria dos católicos”.
Outros católicos, incluindo presbíteros, recorreram às redes sociais para expressar o seu desgosto, choque e consternação com a reunião.
O cardeal Bo, arcebispo de Rangum, condenou desde o início e inequivocamente o golpe militar e a violência protagonizada pela tropa, mas, perante o desenvolvimento da resistência armada, tem vindo, sem deixar de condenar a repressão militar, a apelar para que ela cesse e se procurem caminhos de diálogo sem recurso às armas.