
“A Inkutatash é o símbolo do Ano Novo. Uma flor silvestre amarela que pinta de alegria a paisagem da Etiópia nesta altura do ano.” Foto © José Vieira
Para ti que me lês hoje é dia 12 de Setembro de 2023. Um dia de fim de verão. Para os etíopes — e para mim que com eles partilho o diário viver — hoje é o primeiro dia do mês de Meskerem do ano de 2016, o Ano Novo etíope, que a liturgia nacional dedica à solenidade de João o Precursor, São João Batista no santoral católico.
A Inkutatash é o símbolo do Ano Novo. Uma flor silvestre amarela que pinta de alegria a paisagem da Etiópia nesta altura do ano. Nas montanhas, onde vivo, a flor desponta mais tarde.
A celebração do Ano Novo começa na véspera com uma grande fogueira à volta da qual se canta e dança a alegria do tempo novo prestes a chegar.Desejam-se mutuamente Melkam addis amet, Feliz ano novo em amárico. Ou o equivalente nas línguas vernaculares.
Para celebrar o Ano Novo, as pessoas alindam-se com as roupas tradicionais das respetivas culturas. As meninas prendem inkutatash de plástico nos cabelos ou nas orelhas. Também usam a flor amarela bordada nos vestidos longos de algodão. As construções ou veículos são decorados com flores gigantes, fitas amarelas e balões, amarelos e pretos na predominância.

Os miúdos e os jovens juntam-se em bandos a cantar “Minha flor, minha flor, tu és linda” enquanto dançam e pedem dinheiro. Fazem-no de casa em casa ou nas estradas, parando o tráfego.
Os cristãos começam o ano nas respetivas igrejas. A maioria são ortodoxos. Celebram a divina liturgia a partir das duas da manhã, transmitida através de altifalantes. Depois de louvar o Senhor do tempo pelo dom de mais um ano, vão para casa celebrar à volta da mesa ou de uma travessa gigante. O chão da sala é adornado com erva grossa da família do junco. Carne de vaca, galinha e ovos (cozinhados em molho picante) e cerveja local são parte da ementa festiva. E café.
Porquê 2016? Os etíopes, na maioria cristãos ortodoxos, não aceitaram o calendário universal que foi promulgado pelo Papa Gregório XIII em 1582 para corrigir algumas discrepâncias do calendário juliano, então em uso. Seguem ainda o calendário do imperador romano.
Estamos em 2016 e começamos o ano normalmente a onze de Setembro — este ano inicia-se um dia mais tarde, porque Fevereiro tem vinte e nove dias e, por isso, o mês de Pagumé, o décimo terceiro mês do calendário etíope, tem seis dias em vez de cinco. O calendário etíope é formado por doze meses de trinta dias, mais o Pagumé para não perder mais dias para o calendário geral.
Quando cá cheguei pela primeira vez, há trinta anos, a Etiópia auto-promovia-se como o país de “Treze meses de sol”. Agora apresenta-se como “Terra das origens”.
Além disso, as zero horas correspondem às seis da manhã. Mais ou menos a hora do nascer do sol.
Outras peculiaridades do calendário etíope: o Natal é a 7 de Janeiro, o Batismo do Senhor (Timket) a 19 do mesmo mês (este ano, celebra-se a 20 por ser bissexto), a Páscoa de 2024 vai ser a 5 de Maio (mais de um mês depois da Páscoa do calendário universal), a Assunção de Nossa Senhora celebra-se a 22 de Agosto, a festa da Santa Cruz a 28 de Setembro.
É normal que povos diferentes tenham modos diferentes de contar o tempo. Melhor: modos diferentes de celebrar o tempo.
John Mbiti, o filósofo queniano, que também era pastor anglicano, nota com precisão: “Em África o tempo não se conta. Faz-se.”
Feliz Ano Novo!

José Vieira é padre católico e integra os Missionários Combonianos. Trabalhou já oito anos na Etiópia e sete no Sudão do Sul. Está de novo na Etiópia desde 2021. Este texto foi inicialmente publicado no blogue Jirenna, de sua autoria.