
“Que a paz do Altíssimo desça sobre cada um de vós: sobre vós, que pretendeis promover a reconciliação para evitar divisões e conflitos nas comunidades muçulmanas”, pediu Francisco no encontro com o Conselho dos Anciãos Muçulmanos. Foto © Vatican Media.
Foram três os momentos em que Francisco teve oportunidade de discursar esta sexta-feira, 4, na sua viagem apostólica ao Bahrein. Os locais e as audiências mudaram, mas a mensagem foi a mesma: Deus é fonte de paz, e os líderes religiosos, na sua diversidade, devem usar duas “armas” comuns para promovê-la: a oração e a fraternidade, tornando-se assim “verdadeiramente pessoas de paz”.
“As-salamu alaikum [a paz esteja convosco]”. Ao iniciar com esta mensagem, e em árabe, a sua alocução na mesquita do Sakhir Royal Palace, perante o Conselho dos Anciãos Muçulmanos (Muslim Council of Elders), o Papa já deixava antever o tom do discurso que se seguiria.
Tal como no discurso que tinha proferido no dia anterior, à chegada ao país que nunca havia sido visitado por um Papa, Francisco pediu paz. E começou por pedi-la para aqueles que tinha diante de si – “que a paz do Altíssimo desça sobre cada um de vós: sobre vós, que pretendeis promover a reconciliação para evitar divisões e conflitos nas comunidades muçulmanas; (…) sobre vós, que vos propondes encorajar relações amistosas, respeito mútuo e confiança recíproca com aqueles que, como eu, aderem a uma fé religiosa diferente; sobre vós, irmãos e irmãs, que quereis promover nos jovens uma educação moral e intelectual que contraste toda a forma de ódio e intolerância. As-salamu alaikum!”, repetiu.
E indicou: “Este é o caminho, aliás o único caminho”, reconhecendo que encontros como aquele deveriam ser mais frequentes. “Creio que precisamos cada vez mais de nos encontrar, conhecer e estimar, de antepor a realidade às ideias e as pessoas às opiniões, a abertura ao Céu aos distanciamentos na terra: antepor um futuro de fraternidade ao passado de hostilidade, superando os preconceitos e as incompreensões da história em nome d’Aquele que é Fonte de Paz”, defendeu.
Depois, apontou os dois “meios essenciais” para que também outros se reaproximem: a oração e a fraternidade. “Estas são as nossas armas, humildes e eficazes”, defendeu. “Não devemos deixar-nos tentar por outros instrumentos, por atalhos indignos do Altíssimo, cujo nome de Paz é insultado por quantos creem nas razões da força, alimentam a violência, a guerra e o mercado das armas”, disse, alertando que “já não basta” cada um ser modelo exemplar “nas suas comunidades e em nossa casa”. “Devemos dirigir-nos, cada vez mais unidos, a toda a comunidade que habita na terra”, sublinhou.
“Pretendemos navegar no mesmo mar”

Pouco depois, já na catedral de Nossa Senhora das Arábias, a maior igreja católica do Golfo Pérsico, Francisco prosseguiu na mesma linha de pensamento e convidou os vários líderes religiosos presentes no encontro ecuménico a questionarem-se: “Concretamente, que faço eu por aqueles irmãos e irmãs que acreditam em Cristo e não são dos ‘meus’? Conheço-os, procuro-os, interesso-me por eles? Mantenho as distâncias comportando-me de maneira formal ou então procuro compreender a sua história e apreciar as suas particularidades, sem as considerar obstáculos intransponíveis?”.
Durante o encontro, que contou com a presença de vários líderes cristãos, incluindo o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, o Papa apontou a “unidade na diversidade” e o “testemunho de vida” como chaves essenciais para seguir juntos pelo caminho da paz. E, uma vez mais, questionou: “Somos verdadeiramente pessoas de paz? Estamos possuídos pelo desejo de manifestar, por todo o lado e sem esperar nada em troca, a mansidão de Jesus? Fazemos nossas – trazendo-as no coração e à oração – as fadigas, as feridas e as desuniões que vemos à nossa volta?”.
Logo de manhã, Francisco tinha dado uma parte da resposta. Na sua intervenção durante a conclusão do “Fórum do Bahrein para o Diálogo: Oriente e Ocidente para a Coexistência Humana”, assinalou: “estamos aqui juntos, porque pretendemos navegar no mesmo mar, escolhendo a rota do encontro em vez da do confronto, o caminho do diálogo indicado por este Fórum”.
Mas deixou o recado: “Não podem deixar de se comprometer e dar bom exemplo os líderes religiosos. Temos um papel específico e este Fórum proporciona-nos mais uma oportunidade nesse sentido. É nossa tarefa encorajar e ajudar a humanidade, tão interdependente como desconexa, a navegar em conjunto.”
Fazem falta mais “iniciativas concretas”

Recordando o Documento sobre a Fraternidade Humana, que assinou em Abu Dhabi juntamente com o Grande Imã de Al-Azhar, ali também presente, Francisco delineou três desafios, que “dizem respeito à oração, à educação e à ação”.
A oração, explicou, “é fundamental para nos purificar do egoísmo, do isolamento, da autorreferencialidade, das falsidades e da injustiça. Quem reza, recebe no coração a paz, não podendo deixar de se fazer sua testemunha”. Mas exige uma “premissa indispensável: a liberdade religiosa”.
Quanto à educação, Francisco lembrou que, “onde faltam oportunidades de instrução, aumentam os extremismos e radicam-se os fundamentalismos. E, se a ignorância é inimiga da paz, a educação é amiga do progresso”.
O Papa destacou, a este propósito, “três urgências educativas”: em primeiro lugar, o “reconhecimento da mulher na esfera pública”, em segundo, “a tutela dos direitos fundamentais das crianças”, e por fim, mas não menos importante, “a educação para a cidadania, para viver juntos, no respeito e na legalidade”.
Francisco concluiu o seu discurso debruçando-se sobre o terceiro desafio, referente à “ação”. “Não basta dizer que uma religião é pacífica, é preciso condenar e isolar os violentos que abusam do seu nome. E não basta sequer distanciar-se da intolerância e do extremismo, é preciso agir em sentido contrário”, defendeu.
Francisco terminou, assim, com um pedido de “iniciativas concretas, para que o caminho das grandes religiões seja cada vez mais concreto e constante, seja consciência de paz para o mundo”. E dirigiu a todos um “veemente apelo a fim de que se ponha fim à guerra na Ucrânia e se dê início a sérias negociações de paz”.