
“A assembleia da República insiste com a eutanásia, mas não parece ter refletido sobre a rampa deslizante de outros países”, afirma o Grupo Inter-religioso Religiões-Saúde. Foto: Direitos reservados.
“Com a aprovação do suicídio assistido e da eutanásia, a Assembleia da República parece oferecer a morte aos doentes em sofrimento severo e fim de vida como porta de saída”, afirma o Grupo Inter-religioso Religiões-Saúde (GTIR) num comunicado emitido esta sexta-feira, 9 de dezembro, após a aprovação do novo diploma da eutanásia na votação final global.
No texto, o grupo, que representa nove comunidades religiosas em Portugal, manifesta a convicção de que “o futuro e a modernidade não estão na oferta da morte a pedido, mas na construção de sociedades compassivas e capazes de não empurrar ninguém para fora do barco da vida, mas de acompanhar até ao fim, minorando o seu sofrimento”.
“Os cuidados paliativos”, sublinha o GTIR, “fazem parte dessa aposta. Na verdade, a morte não resolve o sofrimento: destrói a autonomia, aniquila liberdade e impede o desejo, já que mata a vida, suporte de todas essas realidades.”
Também o Movimento Ação e Ética criticou, em comunicado, a despenalização da eutanásia, afirmando que esta “compromete de forma inexorável o respeito pela maior das conquistas civilizacionais, o direito à vida”.
Para o movimento (composto por personalidades como António Bagão Félix, Paulo Otero, Pedro Afonso e Victor Machado Gil), a eutanásia continuará sempre a ser “perversa e injusta” e “nenhum argumento a justifica”.
Em comunicado enviado às redações no passado dia 7, a Conferência Episcopal Portuguesa havia igualmente manifestado a sua “tristeza” e “preocupação”, afirmando que, “com esta legalização, é quebrado o princípio ético fundamental que se traduz na proibição de provocar intencionalmente a morte”.
Juristas e médicos católicos pedem veto
Da mesma opinião partilham a Associação dos Juristas Católicos e a Associação dos Médicos Católicos Portugueses, que reagiram à aprovação com um comunicado conjunto, onde defendem a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional e o veto pelo Presidente da República.
Para os juristas e médicos católicos, qualquer legalização da eutanásia e do suicídio assistido representa uma “quebra do princípio civilizacional da proibição de matar” e expressam a sua preocupação em particular em relação ao novo texto aprovado, pelo facto de se aproximar de sistemas legais mais permissivos, o que pode representar “um salto qualitativo importante no sentido do alargamento progressivo e imparável do campo de aplicação da lei”.
O texto final, aprovado esta sexta-feira, estabelece que a “morte medicamente assistida não punível” ocorre “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
No entender das associações de juristas e médicos, os conceitos introduzidos são mais “vagos e indeterminados” comparativamente aos anteriores e “permitem interpretações subjetivas não passíveis de qualquer limite ou controlo com base em parâmetros externos e objetivos”.
Também o GTIR deixa o alerta: “o exemplo do Canadá, da Bélgica ou dos Países Baixos revela que os lóbis da morte e novas maiorias circunstanciais depressa fizeram deslizar a legislação da eutanásia para a oferecer a novas situações de grande vulnerabilidade física, psíquica, social e económica. A Assembleia da República insiste com a eutanásia, mas não parece ter refletido sobre a rampa deslizante de outros países.”
O decreto aprovado seguirá agora para redação final e depois para apreciação pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que poderá promulgá-lo, vetá-lo, ou pedir a fiscalização preventiva do texto ao Tribunal Constitucional.