Assumir a vida do coração

| 14 Jun 2023

árvores, natureza, pessoas, sombras

““Poeticamente o homem habita o mundo.” Foto © Masha Raymers/Pexels

Uma dimensão silenciosa da vida é um mapa que nos permite encontrar o espanto primordial diante da razão de ser das coisas. Este gesto de nos colocarmos diante das coisas, é em si, um movimento poético, que nos permite conceber formas inéditas daquilo que nos chega como mistério.

Contudo, irei colocar-me dentro de uma forma poética – ou podemos mesmo assumir apofática – que nos permita interpretar o mundo; ou melhor, podemos construir um diálogo, que nos traz sentidos inesperados sobre como se pensam, narram, imaginam e simbolizam o próprio mistério da vida. Mistério esse que será sempre o mistério de Deus.

Deste modo, esta via poética é um local de entrada, que nos oferece um modo imaginativo de podermos contactar com o mundo da vida. Toda a contemplação é apelo a sermos poetas da terra e do céu. Nesta disposição, há algo que nos é oferecido: na dimensão poética somos expandidos e ela permite-nos cruzar com a alteridade e com o próprio Deus. Na verdade, toda a poesia é uma luta com o nada, é uma luta relacional que nos abre a essência do invisível. Por isso, a poesia será sempre entreaberta, dentro de um rasto de cura que nos liga a um destino, que já repousa no ser e nos permite ver algo que está ausente.

Neste sentido, a via poética é uma sabedoria que alia as dimensões sapienciais, contemplativas, que tem no seu fundo um desempenho crístico. O exercício do silêncio, da atenção, deve ser precedido, em certa medida, de um acolhimento que nos dispõe a estarmos no mundo, a estarmos aí, como ser pulsantes do próprio Deus, tal como Máximo Confessor sugere: “A oração desenvolve todo um entendimento.”

A célebre frase de Martin Heiddeger, parafraseando o poeta alemão Holderlin –  “poeticamente o homem habita o mundo” –, conduz-nos a olhar a realidade a partir de outros olhos, com outra simplicidade e agraciação. Hospedarmos os espantos é perscrutarmos a realidade a partir de um movimento singular, que nos permite chegar noutra condição ao mistério último da realidade. Nessa medida, torna-se essencial o silêncio, porque no silêncio exercitamos uma atenção especial que nos transfigura e transfigura os nossos encontros e aquilo que habitamos. Tal como afirma Byung-Chul Han, uma “vida contemplativa sem ação é cega e a vida ativa sem contemplação é vazia”. O impulso do silêncio é, portanto, um entendimento sem forma, que não tem outra forma senão comunicar aquilo o mistério irradia.

Um via poética é uma experiência que se deixa habitar pelo mistério que, incapacitado da palavra, faz do seu desejo a sonda que nos dá acesso ao mistério da vida. Na realidade, esta advém de sermos constantemente um ser que está em caminho e que procura ser um corpo vivido, naquilo que exprime, escuta e diz. “Tu és aquele que é procurado por diferentes caminhos e diferentes ritos e a que chama nomes diversos porque, por essência, para todos permaneces desconhecido e inefável” (Nicolau de Cusa).

George Steiner afirmava: “Sermos ‘habitados’ pela música, pela arte, pela literatura, tornarem-nos responsáveis por essa habitação, sermos o seu anfitrião, como o dono da casa o é para um hóspede – talvez desconhecido, talvez inesperado – ao serão, é fazer a experiência do mistério trivial de uma presença real.” Só no envolvimento com a palavra poética nos permite olharmos de uma outra maneira as resistências do quotidiano e a ferida simbólica e nos permite experienciar uma vida diferente, de algo que vem de longe. Na verdade, “atitude apofática, que recorre de todo o pensamento teológico de tradição oriental, é um testemunho incessante dado ao Espírito Santo que supre todas as deficiências, e ajuda a superar todas as limitações, que conferem ao conhecimento do Incognoscível a plenitude da experiência, e transforma as escuridões divinas em luz para podemos alcançar a comunicação com Deus” (Vladimir Lossky).

Só esta procura poético-espiritual nos permite assumir a vida do coração. A vida, “não sabe de onde vem nem para onde vai” (João 3, 8) e abre-se como um pequeno infinito que, no coração da vida, nos dá acesso ao mistério de Deus. De tal forma que só nesta forma emotiva nos colocamos na prosa do mundo como poetas do excesso, revelando-nos uma transparência misteriosa, tal como sugerido por Michel de Certeau: “O místico é aquele ou aquela que não pode deixar de caminhar e que, com a certeza do que lhe falta, sabe que cada lugar e cada objeto não é isso, e que não pode viver aqui e contentar-se com isso.”

 

Pedro Fraga é aluno do 6ºano de Teologia no Seminário Arquidiocesano de Braga e foi um dos organizadores das XXXIV Jornadas Teológicas.

 

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