
Os autores do estudo concluem que foram dfundos públicos a financiar quase toda a investigação e desenvolvimento da vacina. Foto © BaLL LunLa/Shutterstock
Fundos públicos com diversas origens financiaram pelo menos 97% dos custos de investigação e desenvolvimento que permitiram a criação e o lançamento da vacina anti-covid-19 do grupo Oxford/AstraZeneca. A conclusão faz parte de um estudo, publicado a 10 de abril, por investigadores da Universities Allied for Essential Medicines, ainda não sujeito a qualquer revisão por outros cientistas.
A confirmar-se esta análise, cai por terra o principal argumento utilizado pelos que se opõem à suspensão das patentes das vacinas. A suspensão visa torná-las do domínio público para que possam ser produzidas em massa em todos os laboratórios farmacêuticos do mundo com capacidade para tal. Contra os repetidos apelos do Papa Francisco, dos governantes de mais de 100 países e de uma multiplicidade de organizações da sociedade civil, os governos dos países mais ricos em que as vacinas foram desenvolvidas e são produzidas, têm-se oposto a essa suspensão das patentes. O seu principal argumento radica na ideia de que as multinacionais farmacêuticas têm de recuperar os investimentos feitos para criarem as vacinas com a sua venda exclusiva.
O argumentário foi também recentemente utilizado no debate parlamentar de 8 de abril pela deputada Ana Rita Bessa (CDS/PP) que contestou que as vacinas pudessem ser “consideradas um bem público”, pois “se não tivesse havido investimento privado não teríamos vacinas”. Segundo aquela deputada, os dinheiros públicos apenas teriam contribuído para cobrir os custos de desenvolvimento da vacina da AstraZeneca em 20%, como noticiou o 7MARGENS.
Também Boris Johnson, citado pelo The Guardian, concluiu uma reunião via zoom realizada a 23 de março com alguns dos deputados do seu partido, afirmando: “É por causa do capitalismo, por causa da ganância, que, meus amigos, tivemos sucesso com a vacina.” O primeiro-ministro glosava desta forma o célebre lema “ganância é bom”, dos conservadores britânicos, durante os anos oitenta do século passado.
Acesso às patentes sem fim à vista

Vacinação contra a covid-19 no centro da Comunidade Hindu, em Lisboa: houve inúmeros obstáculos para conseguir reunir informação, acusam os autores do estudo. Foto: Direitos reservados
Os autores do estudo identificaram inúmeras dificuldades para poderem estabelecer com rigor os financiamentos envolvidos na investigação e desenvolvimento da vacina. Algumas provêm do próprio método de investigação científica que se baseia em hipóteses e processos desenvolvidos na Universidade de Oxford e em unidades autónomas dela dependentes desde 2010. Outras radicam na falta de transparência da prestação de contas quanto à aplicação concreta dos fundos públicos recebidos.
De acordo com os dados que conseguiu reunir, o estudo conclui que durante a década (2011-2021) de investigação dos processos que conduziram ao desenvolvimento da vacina, o Governo britânico contribuiu com 38,9 milhões de libras (perto de 45 milhões de euros), governos estrangeiros (incluindo UE e Administração americana) com o equivalente a 30 milhões de euros, organizações sem fins lucrativos com 26 milhões de euros, enquanto os apoios vindos de parcerias público-privadas totalizaram 15 milhões. A indústria farmacêutica terá, durante esse período, feito donativos num montante inferior a 2,3 milhões de euros, ou seja, 1,9 por cento do total de contribuições.
A Universities Allied for Essential Medicines a que pertence o grupo de investigadores que realizou o estudo define-se como “um movimento de estudantes” que tem por objetivo “criar um sistema de saúde mais equitativo capaz de responder às necessidades daqueles a quem é negado o acesso a medicamentos e a cuidados médicos essenciais”.
Na síntese que faz do estudo, o jornal The Guardian recorda a afirmação inicial da Universidade de Oxford garantindo que “qualquer vacina” que viesse a desenvolver seria “aberta para ser produzida, sem qualquer pagamento de ‘royalties’, por qualquer laboratório certificado para o fazer” e vendida a “preço de custo, ou apenas com uma pequena margem de lucro”. Contrariando essa declaração inicial, “em agosto de 2020” já era público que Oxford “tinha fechado um acordo de licenciamento em exclusividade com a farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca.”