Bem-aventurados os puros de coração
Este filme tinha tudo para ser ‘arrumado’ na prateleira dos que, um dia, passariam pela televisão e, se calhasse, talvez desse para uma espreitadela disfarçada: uma história mais do que contada, a tender para o choradinho, pouco mais do que um entretenimento. Enfim, preconceitos são preconceitos mas, felizmente, seja porque que razão for, alguém nos ‘leva’ a ver o filme. As críticas são simpáticas, afinal parece interessante, e até Clara Ferreira Alves começa assim uma crónica: «Gostei muito de “Assim Nasce uma Estrela” (Expresso-Revista, 27 de Outubro). Vejamos então. E vale mesmo a pena gastar 135 minutos – é um filme longo – a ouvir e contemplar esta história de amor, de ascensão e queda, de encontro e desencontro, de verdade e mentira que, não sendo nova, é magnificamente recriada pelos dois actores (Bradley Cooper/Jackson Maine e Lady Gaga/Ally). Imperdível.
Talvez na vida real seja uma história impossível de acontecer, mas ainda bem que existe a ficção para nos fazer acreditar que ainda há homens e mulheres de coração puro, mesmo que não dure para sempre, mesmo que ‘acabe mal’.
Entremos por aqui: o filme também é sobre o impacto – forte e quase sagrado – que uma mulher pode ter num homem e vice-versa. Nenhum fica igual depois do encontro; e tudo poderia acabar bem se as pessoas fossem capazes de não ouvir as insídias do Diabo do Mercado que só pensa no lucro. Mas essa é a luta mais difícil.
Imprevisivelmente, e porque não aguenta não beber, Jackson Maine, numa quase madrugada, entra num bar de drag queens. E enquanto bebe, ouve uma voz poderosa e irresistível, diferente. E não desiste de a levar e ter consigo. Para além de ser um famoso cantor, dependente do álcool, ele é também um homem bom (repare-se naquele gesto quase imperceptível de trazer para o seu motorista um pacote de cheerios, quando vão a um supermercado à procura de gelo para pôr na mão dela que se tinha aleijado). No meio de algumas dúvidas e recusas – por parte dela – e de muitas insistências – por parte dele – descobrem-se a alma gémea um do outro. E é assim que a história vai até que o ‘Diabo’ passa a ser agente de Ally que se tinha revelado, entretanto, uma magnífica cantora. Jackson assiste impotente, mas sobretudo desolado, à ingénua transformação da sua cantora, que vai perdendo autenticidade, cai na vulgaridade, muda a imagem. Torna-se uma estrela segundo as regras do mainstream. Ainda por cima tem de ouvir do tal Diabo que ela não vai mais longe por causa dele. E ele, que estava ‘recuperado’ e feliz, decide morrer como pai.
Também eu gostei do filme: porque é bem filmado, tem uma boa fotografia, tem canções incríveis e soberbamente interpretadas, mas sobretudo é uma belíssima história de amor – os mais sensíveis deixarão sair ‘uma furtiva lágrima’ e não é vergonha nenhuma – a recordar-nos que o amor é mesmo possível, mas que continua a ser necessária uma força muito grande para resistir às tentações do Diabo mentiroso e divisor.
Uma nota final apenas para dizer que se trata, 42 anos depois, da quarta remake do filme ‘Assim Nasce Uma Estrela’ e que esta é talvez, segundo os cinéfilos mais atentos e sabedores, a melhor. Bom filme.
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