Três clérigos afastados preventivamente

Bispos de Angra e Évora retiram funções a padres que constam na lista de alegados abusadores

e | 8 Mar 2023

Armando Esteves Domingues, bispo, Angra

Armando Esteves Domingues, bispo de Angra: trata-se de “seguir aquilo que o Papa Francisco tem recomendado”. Foto © Ecclesia/LFS

 

O bispo de Angra, Armando Esteves Domingues, e o arcebispo de Évora, Francisco Senra Coelho, afastaram de funções preventivamente os padres que se encontravam em exercício nas suas dioceses e que constam na lista de alegados abusadores entregue pela Comissão Independente à Conferência Episcopal Portuguesa, anunciaram ambas as dioceses esta quarta-feira, 8 de março, em comunicados enviados às redações.

“De acordo com o relatório da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal foram recebidas denúncias relativas a oito casos de alegados abusos ocorridos em sete concelhos da Região”, começa por referir a nota de imprensa da diocese de Angra. “Estes alegados abusos terão sido cometidos entre 1973 e 2004 por pessoas diferentes”, detalha o comunicado, acrescentando que “quatro delas – três sacerdotes e um leigo – já faleceram”

A nota esclarece ainda que “dos quatro restantes alegados abusos, dois não foram considerados casos relevantes pela Comissão Independente ao cruzar dados entre as denúncias feitas à Comissão e a investigação histórica aos arquivos da diocese, que ocorreu no final de mês de janeiro de 2023”.

Assim, “da lista entregue na passada sexta-feira ao bispo diocesano pela Comissão Independente constam dois nomes: um sacerdote de São Miguel e outro da ilha Terceira”, com quem o bispo Armando Esteves Domingues “já falou”; em conjunto ficou acordado “que os sacerdotes em causa ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia, que já foi iniciado na diocese e de acordo com as normas canónicas. Igualmente seguirá a participação ao Ministério Público”, assegura o comunicado.

A nota da diocese de Angra ressalva ainda que “esta decisão não é uma assumpção de culpa dos próprios nem uma condenação por parte do bispo diocesano”, mas que se trata “de seguir aquilo que o Papa Francisco tem recomendado como norma e prática da Igreja em matéria de abusos, sobretudo depois da publicação do Vade-mécum sobre procedimentos para enfrentar casos de abuso de menores na Igreja”.

“Depois da vergonha e do escândalo que a revelação da existência de abusos provocaram junto da sociedade, em geral, e dos cristãos em particular, é tempo de ação”, defende o bispo Armando Esteves Domingues, considerando que “pedir perdão é pouco”. Prometendo agir com “tolerância zero para com os abusadores”, o comunicado afirma a disponibilidade “para acolher, escutar e reparar a vida de todos os que foram abusados, sejam os que já denunciaram seja os que no seu silêncio e vergonha continuam a sofrer sozinhos”. E garante: “Disponibilizaremos através da Comissão Diocesana de Prevenção e Acompanhamento de eventuais casos de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero todos os meios para que seja garantido o acompanhamento e tratamento psicológico das vítimas.”

O comunicado faz ainda um apelo a “todos os que se sentem feridos, confusos ou perdidos” para que “confiem que tudo se fará para implementar medidas punitivas onde necessário, mas também preventivas e formativas, que contribuam para devolver a confiança e a esperança a todos os cristãos”.

Há igualmente um apelo aos “padres que sofrem pelas falhas de outros”, e reafirma que a “prioridade da Igreja deve continuar a ser as vítimas, que durante anos sofreram em silêncio aquilo que nenhum de nós poderia ter feito ou sequer ocultado, garantindo-lhes o direito à justiça e ao cuidado, sem enjeitar meios técnicos, humanos e financeiros para a reparação do mal infligido”.

“Mesmo cientes de que a perceção sobre a gravidade deste crime é hoje muito diferente do que era no passado, estes abusos nunca poderiam ter acontecido na Igreja”, diz o texto. “A diocese de Angra tudo fará para que os abusos não tenham mais lugar. A Igreja não pode sequer tentar esconder a tragédia dos abusos.”

A Comissão Diocesana foi agora renovada, diz o bispo, e passou a ser “composta apenas por leigos, especialistas em várias áreas sociais, terapêuticas e jurídicas”. Continuará a “fazer o seu trabalho de forma ainda mais empenhada, garantindo o sigilo que situações desta delicadeza exigem”, garante, anunciando mesmo que “depois da apresentação do relatório pela Comissão Independente, e após três anos de actividade sem qualquer denúncia, já recebeu uma nova denúncia, que envolve um sacerdote de São Miguel já falecido”.

O bispo de Angra conta ainda que um membro da Comissão Diocesana se encontrou já com a vítima, tendo disponibilizado o apoio da diocese “para prosseguir este caminho de recuperação”. E apela de novo: “Aos que ainda não tiveram coragem para denunciar ou preferiram não dar voz ao seu silêncio renovamos a nossa disponibilidade para os escutar. Não estão sozinhos. A Diocese garante, por outro lado, um empenho na definição de políticas robustas bem como a cooperação com todas as entidades que trabalham no terreno na luta contra os abusos de menores e pessoas vulneráveis de forma a erradicarmos este problema sistémico das nossas sociedades.”

 

“Afastamento cautelar” em Évora

Francisco Senra Coelho, bispo, Évora

Francisco Senra Coelho, arcebispo de Évora (2014), afastou um pároco de de funções, “sem prejuízo da sua presunção de inocência”. Foto © Ecclesia.

 

O mesmo entendimento teve o arcebispo de Évora, Francisco Senra Coelho, que “decidiu pelo afastamento cautelar” de um padre cujo nome consta da lista de alegados abusadores, acusado de ter praticado abusos na década de 1980, no Seminário Menor daquela diocese.

A CI “fez chegar ao arcebispo de Évora, no passado dia 3 de março, os nomes de alegados abusadores, referidos nos testemunhos recolhidos”, explica o comunicado, informando que, referentes a esta arquidiocese, “foram indicados dois nomes, de sacerdotes diocesanos”.

Um deles, detalha a nota, “morreu há alguns anos”, pelo que o processo se considera “extinto”. Quanto ao segundo nome, “não trazia nenhuma informação complementar e a investigação efetuada nos arquivos diocesanos não encontrou nenhuma denúncia ou inquirição prévias”, afirma a nota.

O arcebispo tomou então a iniciativa de solicitar dados suplementares à Comissão Independente e esta terça-feira, 7, “foi recebida informação referente a abusos ocorridos contra rapazes na década de 1980, no Seminário Menor”.

Perante estes dados, o arcebispo “pediu à Comissão Diocesana de Proteção e Segurança de Menores e Pessoas Vulneráveis para dar início à investigação prévia que seguirá depois para o Dicastério da Doutrina da Fé, em Roma” e “toda a informação será enviada também para o Ministério Público”, assegura a arquidiocese.

Enquanto decorrem as investigações, o bispo de Évora “decidiu pelo afastamento cautelar do sacerdote do ofício de pároco e de todas as atividades pastorais que incluam contacto com menores, sem prejuízo da sua presunção de inocência”, conclui a nota aos jornalistas.

Estes dois comunicados colocam em destaque a posição – que terá sido maioritária na Conferência Episcopal, embora a imagem pública tenha sido a oposta – dos que pretendem o esclarecimento cabal e o mais rápido possível dos alegados crimes de abuso sexual. Nos últimos dias, diferentes posições de bispos sobre a matéria vieram a público. Segunda-feira passada, dia 6, o 7MARGENS deu conta da posição do cardeal-patriarca de Lisboa, manifestada no domingo em declarações a vários jornalistas, segundo a qual não pode haver suspensão de padres acusados de abusos “sem que haja factos comprovados, sujeitos a contraditório”, bem como um processo canónico na Santa Sé. “Essa é uma pena muito grave”, disse o patriarca. “Não é uma coisa que um bispo possa fazer por si”, acrescentou. Mas nem os jornalistas perguntaram, nem o patriarca se referiu ao afastamento temporário de funções de padres acusados de abusos – o que já aconteceu no Patriarcado, ainda nos últimos meses.

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O presidente da CEP e bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, também manifestara reservas à figura da suspensão:“Não posso tirar uma pessoa do ministério porque chegou alguém que disse ‘Este senhor abusou de alguém’. Quem foi que disse? Em que lugar? Quando? Tirar um padre do ministério é uma coisa grave, enquanto não for minimamente provado, a pessoa mantém a sua credibilidade”, defendeu, na conferência de imprensa em que apresentou as conclusões da assembleia da CEP que decorrera nesse dia.

Num esclarecimento dado ao 7MARGENS, Mário Rui de Oliveira, padre e doutor em direito canónico com especialização em jurisprudência penal, deu razão aos que defendem o afastamento temporário de alegados abusadores: “As medidas cautelares não são penas (as penas só se impõem ao final do processo penal) mas disposições disciplinares (administrativas) com o objetivo de prevenir escândalos”, escreveu ele, no texto publicado, Por isso “não se pode falar de lesar a presunção de inocência, até porque estas medidas devem ser revogadas logo que cesse a causa pela qual foram impostas e cessam pelo próprio direito se o processo penal terminar”, diz também o autor do recente O Livro da Consolação.

 

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