
Manifestação do Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT), em Cafunfo, da qual resultaram vários mortos. num “massacre” denunciado por bispos católicos. Foto © MPPLT
Os bispos católicos da província eclesiástica de Saurimo, que reúne as dioceses de Saurimo, Luena e Dundo, no Leste de Angola, denunciaram nesta segunda-feira, 1 de Fevereiro, aquilo que consideram um “grave massacre” de manifestantes, que teria ocorrido em Cafunfo (360 quilómetros a leste de Malanje, na Lunda Norte) no sábado, 30 de Janeiro.
As vítimas estariam a participar num protesto promovido pelo Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT), que reivindica a autonomia do Leste do país, refere a agência Lusa, citada pelo jornal Público.
Num comunicado dos três bispos, enviado ao 7MARGENS, José Imbamba (Saurimo), Jesus de Tirso Blanco (Luena) e Estanislau Chindecasse (Dundo) dizem ter seguido “com consternação os acontecimentos” de sábado. Mas consideram que eles “são o espelho de uma realidade mais profunda, extensível a todo o leste do país”.
O diagnóstico traçado resume diversos problemas: “A frustração e a insatisfação crescente de um povo que sabe viver numa terra que produz riqueza, mas que não vê os benefícios”, o aumento do desemprego, “especialmente entre os jovens, a falta de “investimentos públicos”, as “condições higiénicas que bradam ao céu”, a falta de água potável e de electricidade, bem como de assistência hospitalar e medicamentosa, e o mau estado das vias de comunicação.
“Sem a resolução de alguns destes problemas, é ilusória e precária a tranquilidade”, dizem os bispos, que “condenam veementemente o uso da violência venha de quem vier”, como forma de resolver os problemas, apelando ainda ao bom senso e ao diálogo.
Acerca do que aconteceu no sábado, os três bispos afirmam-se ainda preocupados com a “discrepância das versões”: o MPPLT fala em 15 mortos e 10 feridos, depois de a polícia ter atirado indiscriminadamente sobre os manifestantes, enquanto as autoridades dizem que mataram seis pessoas, quando a multidão tentava invadir uma esquadra no Cafunfo.
No texto, os bispos pedem uma investigação urgente e “séria para apurar a verdade e responsabilizar os culpados seja de que lado for”. E, numa referência ao cessar-fogo que pôs fim a 26 anos de guerra civil, dizem que “depois de 4 Abril de 2002 nenhum angolano devia morrer ou ser morto por pensar de maneira diferente”.
Também na sua página de Facebook, o bispo José Manuel Imbamba (Saurimo, mas que já esteve na diocese de Dundo) insistiu na ideia do sangue “derramado inutilmente” e perguntou se era necessária “tanta violência e desumanidade”.
“Os problemas sociais, de miséria, exclusão e analfabetismo são mais do que evidentes nesta região Leste. Em vez da política dos músculos, não seria mais sensato cultivarmos a política do diálogo para juntos resolvermos e vencermos as assimetrias sociais gritantes tão notórias?”, perguntava o bispo, que é também vice-presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST)
“Este país é muito rico, mas é preciso distribuir a riqueza”

O bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, embora fora da região em causa, referiu-se ao “massacre” na Lunda Norte, defendendo na sua página do Facebook que devem ser feitas “investigações independentes para se responsabilizar publicamente os culpados”.
“Este país é grande de mais e nele cabemos todos. É muito rico, mas é preciso que se deixe de roubar e se distribua a riqueza mediante a diversificação da economia geradora de empregos. Não podemos continuar neste paradoxo que faz das zonas de exploração de riqueza verdadeiros pântanos de pobre”, escreveu o bispo Chissengueti, citado pela Lusa.
Também Jesus Tirso Blanco, da diocese do Moxico (Leste), disse que “nada pode justificar esse tipo de execuções sumárias sem crime cometido”.
De acordo com o Jornal de Angola, próximo do Governo e do MPLA, o comandante-geral da Polícia Nacional deslocou-se a Cafunfo no domingo, considerando que a situação está “estável e tranquila”. Paulo de Almeida acusou os manifestantes – cerca de 300, segundo o Jornal de Angola – de pretender “atentar contra o poder instituído” e que pretenderia retirar os símbolos nacionais, entre os quais a bandeira nacional.
O mesmo responsável disse que houve pessoas detidas, mas sem avançar números, e garantiu que haverá um inquérito para apurar responsabilidades.
A Lunda Norte, recorda a Lusa, é uma zona de grande implantação de autoridades tradicionais, que têm estado em permanente tensão entre o poder central e Luanda.
Em comunicado, o MPPLT recusou a acusação de “rebelião armada”, condenando “o acto bárbaro” contra as “populações indefesas”, que não queriam senão ver “os problemas das suas comunidades”. Também a UNITA, o maior partido da oposição em Angola, exigiu a responsabilização “dos autores morais e materiais deste crime hediondo” e a criação de uma comissão de inquérito parlamentar aos acontecimentos.
A autonomia da região das Lundas (Lunda Norte e Lunda Sul, no Leste angolano), rica em diamantes, é reivindicada pelo MPPLT, com base num acordo de protectorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal em 1885 e 1894, o que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido.