
Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã, afirma que o documento que veta a bênção dos casais homossexuais o entristeceu. Foto: Direitos reservados.
“Benzi casas, carros, elevadores, terços sem conta e muitas coisas mais, e agora não poderei benzer duas pessoas que se amam? Não pode ser essa a vontade de Deus!” Nestas palavras do vigário-geral da diocese de Speyer (Espira), Andreas Sturm, publicadas na página de Facebook da diocese, ressoa muito da desilusão e incompreensão com que vastos sectores da Igreja na Alemanha estão a reagir à tomada de posição da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), do Vaticano, vetando a bênção dos homossexuais na Igreja Católica.
A abertura e a sensibilidade com que a Igreja alemã no seu conjunto encara hoje este tema não é superficial: tem por detrás um longo percurso de reflexão e um esforço de aproximação a todos aqueles e aquelas que, sendo cristãos, se sentiam ignorados e mesmo discriminados no seio da sua Igreja. E a reflexão continua: a revisão da moral sexual é um dos temas do Caminho Sinodal em curso. “Relações em que se vivem valores como amor, amizade, compromisso, fidelidade, serviço recíproco, merecem na moral reconhecimento e respeito, independentemente da orientação sexual das pessoas”, lê-se num dos seus documentos de trabalho. E ainda: “A vala que visivelmente separa a doutrina da Igreja e a vida das pessoas coloca-nos diante da tarefa de continuar a desenvolver a doutrina da Igreja sobre a sexualidade.”
Não é de agora a dissonância existente entre a Igreja alemã e a Cúria Romana sobre a resposta a dar às muitas questões que as pessoas homossexuais levantam à instituição. E ela tem-se feito sentir com certa frequência. Um dos casos mais mediáticos data já de 2018, quando o Vaticano quis vetar a nomeação do padre jesuíta Ansgar Wucherpfennig para reitor da Escola Superior de Filosofia e Teologia St. Georgen, de Frankfurt, uma universidade dos jesuítas frequentada por muitos dos futuros padres e assistentes pastorais de diversas dioceses alemãs.
O reitor Ansgar Wucherpfennig era também o encarregado diocesano da pastoral junto dos homossexuais e defendia claramente a necessidade de levar a sério as uniões homossexuais, propondo que a Igreja lhes dê uma bênção, que de modo nenhum compromete o carácter particular e visibilidade do sacramento do matrimónio. É esta solução que um pouco por todo o lado se vem praticando e que a CDF agora rejeita e proíbe. Imensos protestos obrigaram nesse ano o Vaticano a retroceder e o padre Ansgar Wucherpfennig pôde assumir o cargo de reitor, para um período de três anos entretanto terminados.
Protestos e críticas estão também agora a fazer-se ouvir um pouco por todo o lado e a todos os níveis. O bispo de Limburgo e presidente da Conferência Episcopal, Georg Bätzing, afirmou que o documento o entristeceu. O bispo de Osnabrück, e vice-presidente da conferência, Franz-Josef Bode, criticava: “Respostas simples, já se viu, não encerram questões, antes as reacendem.”
Muitos padres apelam a um simples ignorar da posição de Roma. Uma recolha de assinaturas neste sentido está em curso a nível nacional e já juntou assinaturas de mais de 1000 padres. Tobias Schäfer, um padre da diocese de Mainz (Mogúncia), em mensagem de vídeo, traduzia em poucas palavras a sensação de muitos: “Quando a Igreja acredita que tem de vigiar sobre a aplicação da bênção de Deus, deixa de ser ela mesma bênção para o mundo.”
A sensação é de uma Igreja que, em grande parte, se sente mais uma vez incompreendida no seu esforço de abertura a uma sociedade secularizada e plural, que entende cada vez menos os argumentos da moral da Igreja.