
Conferência de imprensa final da assembleia da Conferência Episcopal de Moçambique: bispos preocupados com o rumo do país. Foto: Direitos reservados.
A “guerra terrorista” em Cabo Delgado, para a qual se aliciam jovens sem horizontes, a subida “insustentável” do custo de vida e a corrupção são os grandes problemas que afligem os bispos católicos de Moçambique. Uma nota pastoral da Conferência Episcopal do país, datada de 11 de Novembro, faz um vigoroso apelo a que se removam estes “obstáculos e ameaças” que impedem a concretização do “sonho de liberdade e autodeterminação”.
Não tendo sido “imediata e eficazmente” travada há mais de cinco anos, a “guerra terrorista” em Cabo Delgado tem alastrado e já atinge as províncias do Niassa e de Nampula. Prossegue, assim, um “desumano sofrimento, com “destruições e mortes violentas de crianças, mulheres e homens inocentes e pessoas de boa vontade, como foi a irmã Maria de Coppi”. Os bispos moçambicanos consideram que se impõe uma mobilização para encontrar soluções para “esta desgraça, não confiando unicamente no uso da força militar”.
Verificando que os “jovens moçambicanos continuam a engrossar as fileiras dos que semeiam terror”, a Conferência Episcopal de Moçambique (CEM) reconhece que “um dos motivos fortes” que concorre para o aliciamento dos jovens “assenta na experiência de ausência de esperança num futuro favorável”. Os bispos consideram ainda que “para a maioria deles não há oportunidades de se construir uma vida digna”. O futuro de Moçambique passará, por isso, por garantir “aos jovens a realização dos seus sonhos”.
A “subida insustentável do custo de vida” é outra chaga do país que “continua arrastando para a pobreza extrema homens e mulheres já sofridos que vêm enfrentando um verdadeiro martírio para colocar o pão à mesa”. Esta “crise provocada pelas ditas ‘dívidas ocultas’, as mudanças climáticas, as medidas restritivas para a prevenção da covid 19 e, agora, a guerra na Ucrânia” tem acentuado profundamente as desigualdades sociais: “Por um lado, uma minoria endinheirada, que se pode permitir todo o tipo de luxo, e, por outro, uma maioria empobrecida, que nem o básico tem para sobreviver”. Para os bispos de Moçambique, tornam-se necessárias “políticas corajosas que eliminem o crescente abismo existente entre irmãos”. Entre o que é preconizado, encontra-se a “distribuição equitativa e justa de recursos e oportunidades”. É que, “sem uma real inclusão social”, a paz e a coesão social ficarão ameaçadas. “Nenhuma paz sobrevive a exclusões e injustiças sociais”.
Uso privado descarado dos recursos e do património do país

A Conferência Episcopal de Moçambique está também preocupada com a corrupção, que se instalou no país como se fosse algo natural. “Faz-se descaradamente um uso privado dos recursos do país e do património público, pondo os interesses pessoais ou de grupo acima do bem comum”. Dizem os bispos que a corrupção se manifesta “nas constantes ‘propinas’ (‘refrescos’) que se devem pagar aos servidores públicos para fins e interesses privados, no nepotismo e clientelismo”. Estando na origem “da delapidação e destruição da riqueza e de todo o tecido social”, a corrupção torna-se ainda mais grave ao infiltrar-se “nas instituições e no exercício do poder do estado”, comprometendo “estruturalmente o projeto de um país livre, justo e solidário”.
Particularmente problemática é “a avidez, de que a corrupção é filha,” que “leva a favorecer grandes projetos económicos de capitais estrangeiros, implantados para extrair recursos naturais sem um real e transparente envolvimento das populações interessadas”. Os bispos assinalam que “milhares de famílias continuam a ser retiradas de suas terras férteis para dar lugar a esses investimentos, dos quais praticamente não tiram qualquer benefício. Muitas vezes, nas suas regiões, estas comunidades não encontram espaço para darem suas opiniões, porque são impedidas de falar, através de mecanismos de controlo social que bloqueiam a sua participação”. Estes mecanismos, acrescentam os bispos, “parecem ser sinais de uma tendência crescente e generalizada de limitação ao exercício de direitos humanos básicos como a liberdade de expressão e de manifestação”.
A Conferência Episcopal de Moçambique expressa o desejo de que “todas estas ameaças e dificuldades” não deixem cair “o sonho de liberdade, autodeterminação e bem-estar” que acompanha a História de Moçambique independente, que em breve completará 50 anos. “As qualidades, recursos e boa vontade de que o povo moçambicano dispõe são garantia de que uma sociedade solidária e em paz é possível”.