
“É recomendável que se busquem, para a celebração da missa, vinhos de proveniência sobre os quais não existam dúvidas a respeito dos critérios éticos na sua produção”, pode ler-se no comunicado da CNBB. Foto © Joaquin Corbalan.
Na sequência das denúncias feitas na semana passada de que diversas vinícolas brasileiras submetiam os seus funcionários a condições de trabalho equivalentes à escravidão, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu uma nota afirmando que os vinhos produzidos por fabricantes que violem “o respeito pela dignidade humana” não devem ser escolhidos para uso nas igrejas do país.
Mais de 200 trabalhadores foram resgatados numa operação realizada pelas autoridades brasileiras, perto das maiores vinhas da região de Rio Grande do Sul. Nos depoimentos, as vítimas relataram episódios de violência, tais como tareias com cabos de vassoura, choques elétricos e ataques com spray de gás pimenta, além de más condições de trabalho e de alojamento. Os trabalhadores denunciaram ainda práticas como multas e descontos nos salários, o que levou o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho brasileiros a considerarem a situação como um regime de trabalho análogo à escravidão.
“No Brasil existem diversas vinícolas que oferecem vinho canónico. Desse modo, é recomendável que se busquem, para a celebração da missa, vinhos de proveniência sobre os quais não existam dúvidas a respeito dos critérios éticos na sua produção”, pode ler-se no comunicado, assinado pelo secretário-geral da CNBB, o bispo Joel Portella Amado.
Na opinião dos bispos brasileiros, “a Igreja tem a responsabilidade de zelar pelo tipo de vinho utilizado nas celebrações das missas”. Por isso, assegura já ter promovido “encontros com cerca de 15 vinícolas a respeito das características de tal vinho”.
A atitude da Igreja Católica brasileira foi elogiada pela organização não-governamental brasileira Educafro, dedicada à defesa dos direitos da população negra no país, mas o seu fundador, o padre franciscano e teólogo David Santos, defendeu, em entrevista ao jornal Crux, serem necessárias medidas adicionais.
Para frei David Santos, as igrejas construídas por escravos devem ser consideradas tão indesejáveis quanto o uso de vinho produzido com recurso a mão de obra escrava, pois “os trabalhadores escravos que produzem o vinho sacramental hoje são os mesmos que construíram igrejas no passado”, assinala, lembrando ainda a quantidade de outro extraído por escravos que ornamenta inúmeras igrejas no Brasil.
“Se a Igreja quiser lidar com tais contradições, terá de revisitar a sua história de colaboração com a escravatura no Brasil e tomar ações concretas para compensar os afro-brasileiros”, conclui o fundador da Educafro.