
D. Virgílio Antunes, D. José Ornelas e p. Manuel Barbosa no final da conferência de imprensa da assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa, a 11 de novembro de 2021. Os bispos debateram o tema dos abusos sexuais, decidindo criar uma comissão para investigar a situação. Foto © António Marujo
O porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) manifestou a disponibilidade dos bispos católicos para a abertura dos arquivos diocesanos à Comissão Independente que estuda casos de abusos de menores. Mas os bispos só decidirão em Abril o modo como essa abertura se fará.
“Há disponibilidade de todos [os bispos] das dioceses, para ver o que existe nestas situações, perceber o que existe, para clarificar”, afirmou o padre Manuel Barbosa, em conferência de imprensa, após a reunião mensal do conselho permanente da CEP, que decorreu nesta terça-feira, 8, em Fátima, conforme noticiou a Ecclesia.
Manuel Barbosa adiantou que a próxima assembleia plenária do episcopado, que decorrerá em Abril, discutirá o “modo mais adequado” de proceder para que “tudo o que lá estiver [nos arquivos das dioceses] seja conhecido, nesta área, com a colaboração da Comissão Independente”.
Esta colaboração foi assumida pelos bispos desde a apresentação da comissão liderada pelo psiquiatra Pedro Stecht, no início de Dezembro, e terá em conta “as normas em vigor”, sejam elas cíveis ou canónicas, “para que o que está nesses arquivos se venha a conhecer”.
O padre Manuel Barbosa acrescentou, no entanto, que cada bispo diocesano tem “competência” sobre os respectivos arquivos.
Tendo isto em conta, um responsável católico alertava nesta terça-feira o 7MARGENS para a eventualidade de, havendo algum caso sobre o qual houvesse documentação mas que não interessasse a alguém que fosse conhecido, esses testemunhos poderem ser destruídos. “O Código de Direito Canónico é claro sobre o que pode ser destruído”, disse Manuel Barbosa ao 7MARGENS, colocado perante uma hipótese dessas. “Não imagino o que possa suceder”, acrescentou, dizendo que o conselho permanente não abordou qualquer possibilidade desse género.
De qualquer modo, o Código de Direito Canónico (CDC) determina, no cânone 489, que cada Cúria Diocesana tenha um “arquivo secreto”, onde se guardam “os documentos que devem ser conservados sob segredo”.
“Destruam-se todos os anos os documentos de causas criminais em matéria de costumes, cujos réus tiverem morrido ou que tenham terminado com sentença condenatória há dez anos, conservando-se um breve sumário do facto com o texto da sentença definitiva”, diz ainda o código, que no cânone 490 indica que apenas o bispo tenha a chave desse arquivo.
Na conferência de imprensa, o secretário da CEP considerou que o tempo é suficiente para analisar toda a documentação disponível. “É importante que se faça o trabalho bem, neste processo, e não se queimem etapas”, afirmou. “É preciso encarar esta problemática com toda a frontalidade, com toda a seriedade.”
A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa irá trabalhar até ao final de 2022, mas o porta-voz do episcopado admite que a investigação se prolongue para lá daquela data. Até Julho, a comissão prevê recolher testemunhos, passando depois a uma fase de estudo sobre as constantes dos casos recebidos.
O secretário da CEP elogiou ainda o “trabalho excelente”, que tem sido feito “com todo o sigilo” por parte da comissão, num processo que “tem de continuar” para “que se clarifiquem o mais possível estas situações, na Igreja, nos seus organismos”.
No sábado, 5 de Fevereiro, ficou decidida a criação de um grupo coordenador das comissões diocesanas de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis. A CEP informou que este organismo pretende “assessorar o trabalho de cada comissão diocesana, propor procedimentos e orientações comuns, ajudar em tudo o que possa proteger as vítimas e esclarecer sobre quadros normativos canónicos e civis relacionados com os processos de abuso sobre menores, tanto no que respeita ao acompanhamento da vítima como na atenção ao agressor”.
Na véspera, o 7MARGENS noticiara, em primeira mão, que a comissão de estudo iria escrever esta semana aos 308 municípios portugueses pedindo colaboração na divulgação dos contactos, de forma a chegar a pessoas que não estejam tão à vontade no uso das novas tecnologias.
A comissão passou também a dispor de um apartado (CE Comissão Independente – Apartado 012079 – EC Picoas – 1061-011 Lisboa), além dos restantes contactos por telefone (+351 91 711 00 00), por endereço electrónico (geral@darvozaosilencio.org) ou preenchendo o inquérito disponível na página daquele organismo.
No final da primeira semana de trabalho, a Comissão de Estudo tinha recolhido já uma centena de testemunhos.