Documento entregue

Bispos prometem “assumir” relatório sobre abusos e analisar “dramas” das vítimas

| 12 Fev 2023

O coordenador da Comissão Independente, Pedro Strecht, ao entregar o relatório de um ano de trabalho: nesta segunda-feira será conhecido o conteúdo do documento. Foto © CEP

O coordenador da Comissão Independente, Pedro Strecht, ao entregar o relatório de um ano de trabalho: nesta segunda-feira será conhecido o conteúdo do documento. Foto © CEP

 

“Todos esperamos que este trabalho dê frutos e possa constituir uma nova etapa dentro daquilo que mais desejamos que é o bem-estar as crianças.” A afirmação é do coordenador da Comissão Independente (CI) para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, ao entregar ao bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas, o relatório da CI. O bispo respondeu que o documento será analisado na assembleia da CEP marcada para o início de Março, de modo a “assumir” o conteúdo do texto e “reflectir sobre o seu significado”, com o olhar centrado nas “vítimas dos abusos e nos dramas a que foram submetidas”.

O documento, entregue em suporte digital por Pedro Strecht, que estava acompanhado de todos os membros da Comissão, será apresentado na manhã desta segunda-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, numa sessão que contará com a presença de vários convidados, incluindo os bispos que compõem o conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Após a apresentação, haverá uma conferência de imprensa e, à tarde, o presidente e os bispos do conselho permanente da CEP falarão também aos jornalistas, já na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Também à tarde, o documento será disponibilizado na página da comissão.

Na breve declaração que fez ao receber o documento, o presidente da CEP (que estava acompanhado pelo vice-presidente, o bispo de Coimbra, Virgílio Antunes, e pelo secretário da Conferência, o padre Manuel Barbosa) afirmou que o relatório deve permitir ainda que a própria Igreja conheça o “que aconteceu de errado no passado”, de modo a ter “a perspectiva positiva da construção de um novo futuro”.

O relatório, que culmina o trabalho iniciado pela comissão em Janeiro do ano passado, foi elaborado a partir de testemunhos sobre casos ocorridos nos últimos 70 anos. O documento, recebido “com profunda emoção e agradecimento” por José Ornelas, será lido “com toda a atenção” para “fazer jus aos dramas que foram revelados” e à “seriedade” do trabalho desenvolvido pelos membros da CI e pelos investigadores que consultaram os arquivos históricos.

Ao entregar o relatório, Pedro Strecht agradeceu o facto de a CEP ter apoiado com “todos os meios” o trabalho da CI. Mas em Maio do ano passado, apenas quatro meses depois do início do trabalho, Strecht afirmava que já era claro quer tinha havido “ocultação em várias situações” por membros da hierarquia católica.

O presidente da CEP destacou a “unanimidade” da Conferência Episcopal em confiar o estudo de casos de abuso na Igreja a uma Comissão Independente, para “estudar a fenomenologia desta realidade” que preocupa “profundamente pela dor de quem sofreu” e pela “contradição que significa” em relação à “missão como Igreja”.

“Este trabalho em comum, com a independência de papéis e de competência num caminho comum ficará certamente ligado à história de todos nós, como património para continuar o caminho iniciado”, acrescentou o presidente da CEP, na declaração feita durante a breve sessão, cujo vídeo foi divulgado pela Conferência Episcopal Portuguesa através da agência Ecclesia.

 

Um ano de trabalho, 424 testemunhos

O bispo de Leiria-Fátima sublinhou a importância do trabalho “focalizado naqueles que são mais frágeis” e “a necessidade de unir esforços diferenciados para obter bons resultados, na capacidade de ultrapassar preconceitos e dificuldades”, em ordem a “uma Igreja e uma sociedade mais justas e capaz de oferecer a todos o direito a que têm de dignidade, de defesa da sua integridade”.

Na sede da CEP, o responsável máximo do episcopado católico acrescentou que este documento ajudará a “decidir o melhor seguimento para fazer justiça” ao trabalho dos seis membros da CI e, “sobretudo, ao sofrimento das vítimas que foram o primeiro eixo motor de todo este processo”.

A criação de uma comissão foi decidida em Novembro de 2021 pela assembleia plenária da CEP e apresentada publicamente em 10 de Janeiro do ano passado. A decisão seguiu-se a uma forte pressão pública, incluindo de grupos de católicos, que escreveram mesmo à Conferência Episcopal a pedir uma investigação sobre os abusos, tal como tinha acabado de suceder em França.

Nos media portugueses, sucederam-se artigos de opinião e declarações nas rádios e televisões pedindo idêntica investigação. Uma afirmação do bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, dizendo ao Público que admitia uma investigação desde que ela não se circunscrevesse à Igreja Católica provocou também várias reacções.

Em Outubro último, quando deu por terminada a recolha de testemunhos, a comissão tinha validado 424 testemunhos de vítimas de abusos sexuais, que apontavam para um “número significativo” de agressores entre 1950 e 2022, os marcos temporais estabelecidos pela própria CI para o seu trabalho.

Os casos registados pela CI incluem vítimas que têm actualmente entre 15 e 88 anos. Dos cassos apresentados, a comissão remeteu para o Ministério Público 17 denúncias. Dessas, o MP revelou que tinha instaurado dez inquéritos, mas seis tinham já sido arquivados em Outubro. De acordo com dados recolhidos pela Lusa e reproduzidos pela CNN, as comissões diocesanas de protecção de menores receberam entretanto, até ao início deste mês de Fevereiro, apenas um total de 26 participações – ou seja, uma média de pouco mais de uma participação em cada uma das 21 dioceses católicas portuguesas.

Além de Pedro Strecht, autor de vários trabalhos na área da pedopsiquiatria e que já tinha sido responsável do Gabinete para Intervenção em Crise da Casa Pia de Lisboa, a CI integrava ainda Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e antigo ministro da Justiça; Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que coordenou o estudo sobre “Maus Tratos a Crianças na Família”, encomendado pelo Parlamento, em 1999; Daniel Sampaio, psiquiatra, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa; Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, que trabalhou cerca de 25 anos na Casa da Praia/Centro Dr. João dos Santos com famílias disfuncionais e de risco; e Catarina Vasconcelos, cineasta, licenciada na Faculdade de Belas Artes com pós-graduação em Antropologia Visual no ISCTE e mestrado no Royal College of Art, Londres, autora do filme A Metamorfose dos Pássaros.

 

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