Boa educação

| 14 Dez 2022

teia de aranha, Inês Patrício

“Se tivéssemos boa educação, no sentido de pensar nos outros e querer que os outros se sintam bem, a maior parte dos nossos problemas estariam resolvidos.” Foto © Inês Patrício

 

No programa “Fugiram de casa de seus pais”, a convidada era Rita Blanco. Desde então volto, internamente, àquele tema. A Rita Blanco defendia a educação como a coisa mais importante. Não a educação formal, a boa educação. O Miguel Esteves Cardoso, concordando, dizia que se tivéssemos boa educação, no sentido de pensar nos outros e querer que os outros se sintam bem, a maior parte dos nossos problemas estariam resolvidos.

Penso nisso quando oiço as notícias das guerras. Penso nisso em relação à fome no mundo, à exploração generalizada. Penso nisso quando vejo lixo no chão. Penso nisso no trânsito irresponsável. Penso nisso quando vejo a forma como pais e filhos pequenos se xingam publicamente. E penso que ela tem razão, a Rita Blanco.

A minha experiência na Alemanha é que é considerado boa educação dizer-se o que se pensa, de forma concisa, à pessoa certa. A pessoa certa pode ser, por exemplo, quem pensamos que agiu mal. A pessoa certa, num problema de trabalho, é quem pode resolver o problema. Gasta-se pouquíssima energia no maldizer. Se é verdade que, em geral, são menos empáticos e, novamente em geral, não sabem intuir os “não-ditos”, isso também é porque esperam que se diga directamente o que se pensa e o que se precisa.

No programa falaram também da bolha em que cada um de nós vive. Na falta de educação impregnada no falarmos tanto de nós próprios. Que boa educação não é maçar os outros com perguntas como “como estás?”, quando já se sabe que a verdade é “péssimo”. Boa educação é divertir o outro.

Há meses particularmente complicados no trabalho. Há semanas em se sente uma persistente agressão de pessoas que, por estarem totalmente mergulhadas em si mesmas, nos seus problemas e preocupações, acham que podem gritar, responder torto, ser arrogantes e querer minimizar quem lhes aparece à frente. Há aqueles dias de trabalho horríveis. E se em vez de dia, calha de ser noite, pior. Há pessoas que conseguem piorar tudo, falo daqueles com quem trabalhamos. Reclamam sem fim. Boicotam. Viram os profissionais uns contra os outros. A justificação geralmente vem com o direito à expressão. Essa expressão é, na melhor das hipóteses, uma ilusão de libertação da tensão, do cansaço ou do desalento. No entanto, a bem dizer, na maior parte das vezes, é apenas isso mesmo, falta de educação.

A minha estratégia geralmente é poupar energia, fico mais calada, vou fazendo o que é preciso ao melhor ritmo que consigo. Sigo a minha ordem de trabalhos. Não revido. Tento manter a delicadeza. Engulo a irritação. Mas há uma estratégia muito, muito melhor. Essa estratégia, só mesmo os melhores conseguem. Em vez de criticarem ou ficarem calados, juntam-se a nós a trabalhar e com um humor inteligente suavizam as mais irritadas tensões. Essas pessoas são uma espécie de sol.

Tem graça que o Miguel Esteves Cardoso rematava a conversa (sempre concordando com aquela ideia) dizendo que aquilo era bem na verdade uma forma de pensar de esquerda, (diz-se) utópica, que no fundo é positiva e optimista. Não está tudo perdido, as pessoas não são más por natureza, há esperança porque há uma solução: sermos todos mais bem-educados.

 

Inês Patrício é médica, vive em Berlim com o marido de olhos de mar e uma filha solar.

 

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