
“Um exercício a fazer durante este Sínodo é ter as pessoas nas margens a expressar as suas opiniões. Nós podemos aprender ao ouvi-las. Ouvir as pessoas na margem não é condescendente, mas é algo de que precisamos”, defende o cardeal Jean-Claude Hollerich. Foto © Vatican Media.
Os jovens e o diálogo com as periferias foram talvez dos setores menos escutados na presente fase do Sínodo. Mas o relator geral, o cardeal luxemburguês Jean-Claude Hollerich, dá algumas “dicas” sobre como comunicar com eles. Numa entrevista ao suplemento Igreja Viva, do bracarense Diário do Minho, o cardeal é colocado perante a questão de saber “como é que podemos construir pontes com quem defende posições diametralmente opostas aos ensinamentos da Igreja”. “Cristo não tinha problemas em aproximar-se dos pecadores, dos colaboradores com o Império Romano, dos corruptos… Até chamou alguns deles para serem seus discípulos”, responde o entrevistado.
“Nós – observa – precisamos de grande liberdade espiritual e de grande abertura. Jesus não era o inimigo de ninguém, e nós por vezes consideramos que temos inimigos. Se eu ouvir o discurso dentro da Igreja, muitos grupos de políticos são considerados inimigos. Se temos os olhos da fé, temos que ver pessoas que foram criadas por Deus, que são amadas por Deus, que não partilham as nossas crenças. Mas são amadas por Deus na mesma. E a nossa atitude tem que expressar esse amor de Deus”.
“Inimigos da Igreja? Somos todos irmãos”
Aquele que é também presidente da COMECE (Comissão das Conferências de Bispos da União Europeia) fala, nas respostas a João Pedro Quesado, dos contactos mantidos com políticos que não são católicos e que muitas vezes são até considerados inimigos da Igreja. Porém, faz notar o prelado, quando o assunto são os direitos humanos, questões sociais ou alterações climáticas, existe uma grande proximidade de posições e a possibilidade de trabalhar juntos por um melhor futuro para a humanidade. “Este é o ensinamento da Fratelli tutti: que somos todos irmãos. Temos que parar de ver as pessoas como inimigas. Elas podem-nos considerar inimigos, mas não devemos entrar nesse jogo”, entende o arcebispo do Luxemburgo.
E remata o seu ponto de vista deste modo: “Um exercício a fazer durante este Sínodo é ter as pessoas nas margens a expressar as suas opiniões. Nós podemos aprender ao ouvi-las. Ouvir as pessoas na margem não é condescendente, mas é algo de que precisamos, porque o Espírito Santo também está a trabalhar através delas. Este momento do Espírito Santo é muito importante nas teologias da sinodalidade. Devemos ver o Espírito Santo no mundo e nos grupos marginalizados”.
No contexto de uma resposta sobre a renovação da Igreja, inspirada pelo Concílio Vaticano II, Jean-Claude Hollerich destaca a necessidade e relevância de estar próximo e escutar as gerações mais novas.
“Eu gosto de estar com jovens, e tenho que os ouvir… quais são os seus sonhos, os seus medos, os seus valores, e o que é importante para eles dentro do cristianismo…”, observa.
Essa escuta é importante, porque, como bispos, “algumas vezes, caímos na tentação de estarmos apenas rodeados de conselheiros, que repetem sempre as mesmas coisas. E fica-se longe da realidade. Portanto é preciso fazer um esforço para estar em contacto com os jovens”, salienta.
A Igreja precisa de “perder peso para ficar em forma”

O relator geral do Sínodo, que foi professor universitário antes de ser bispo e que antes disso foi missionário no Japão, entende que para evangelizar é preciso ter uma atitude positiva face à cultura e civilização de quem é evangelizado. Pressente que nos encontramos perante uma mudança de civilização, que “Deus está presente na nova era que está a chegar” e que “temos que O encontrar”. E não é apenas o bispo que pode fazer essa descoberta: “Todo o povo de Deus tem que avançar, eu pelo menos espero. Acho que tal Igreja é capaz de reagir e mudar a sua linguagem e estilo muito mais do que uma Igreja em pirâmide, que é muito inflexível. Precisamos de muita flexibilidade e de discernimento, porque temos que ver onde Deus está presente nesta nova civilização”.
O que se vê, no entanto, particularmente na Europa, é um recuo do número de cristãos. “Se eu olhar para a realidade da Igreja na Europa, é esse o caso. (…) Pela primeira vez na história recente da Alemanha, o número de protestantes e católicos juntos é menor que 50% da população. Essa tendência existe em todo o lado”.
”Nós vamos tornar-nos uma Igreja de minoria, mas não tenho medo disso”, afirma o cardeal, explicando a sua visão: “Jesus nunca disse que devemos ser a maioria, influenciar a política e por aí adiante. Mas tem que ser uma minoria viva, cheia de vida e de esperança. Ainda temos uma Igreja de serviços, onde se recebem os sacramentos como um serviço, depois de fazer determinadas coisas pré-definidas. Mas a Igreja é uma comunidade viva. Tenho a certeza de que uma Igreja assim vai inspirar a sociedade, porque as minorias podem ser muito influentes numa sociedade. Mas temos que mudar”. E faz um paralelismo consigo mesmo: “Se eu participasse na maratona, teria que perder algum peso, e talvez a Igreja tenha que perder algum peso para estar novamente em forma”.
Uma atitude positiva relativamente à sexualidade
A última parte da entrevista gira em torno dos abusos sexuais na Igreja Católica. Hollerich reconhece que o problema se encontra longe de estar fechado. Cita os relatórios mais recentes, em França e em diversas dioceses alemãs e dá exemplos de formas como, na sua arquidiocese, se tem atuado quanto à prevenção, junto dos jovens candidatos a padres. Para ele, os abusos sexuais na Igreja “são piores do que no resto da sociedade, porque as pessoas olham para as pessoas da Igreja como aqueles que falam por Deus. Temos que nos limpar, sem hesitação”, conclui.
Defende, neste campo, uma atitude positiva relativamente à sexualidade. Quando as pessoas, incluindo padres, vivem problemas neste âmbito, o caminho não pode ser a condenação, mas a aceitação, a conversa, o aconselhamento. E, num tom mais pessoal e até intimista, voltou a confessar que, como jovem padre, lhe acontecia apaixonar-se por mulheres, tendo encontrado um modo de lidar com a situação: “Tomei uma decisão para a minha vida, e quero manter essa decisão. A primeira coisa a fazer é encontrar formas naturais de lidar com isto. Quando me apaixono por uma jovem, não a devo levar ao cinema. Mas, ao mesmo tempo, posso agradecer a Deus por esse sentimento de amor. Os homens casados também se apaixonam, mas permanecem fiéis à sua esposa e, depois de algum tempo, percebem que o amor da sua mulher é o mais importante. Acho que é o mesmo para os padres”.
Para ler o texto integral da entrevista, aceder aqui.